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Bordão do descompasso entre inovação tecnológica e gerenciamento deficiente, melancólico flagrante da bolha digital em cenário subdesenvolvido, o desabafo-lamento é o mais ouvido em guichés de bancos, balcões de check-in em aeroportos, delegacias policiais, hospitais, planos de saúde, repartições do Judiciário e até como mensagem automática no atendimento das operadoras de telefonia, provedores de internet e tevê por assinatura.

O "sistema" não caiu; está desabando há meia dúzia de anos, porque o país que se desvencilhou da telecomunicação estatizada falhou redondamente nas etapas seguintes – não definiu as regras, não planejou o crescimento, não investiu, não treinou e, sobretudo, não soube estabelecer uma paradigma fiscalizador, capaz de depurar os apetites empresariais para convertê-los em avanços e não retrocessos.

A firme decisão da Anatel de intervir em três operadoras de telefonia (TIM, Oi e Claro) não é prova de sua eficácia. É o cabal reconhecimento de que governo, partidos, empresários e elites políticas ainda não compreenderam as sutilezas do conceito de regulação dos mercados.

A lógica primária, linear, do Fla-Flu ideológico não permite que se avaliem as reais funções das agências reguladoras. Elas não são aparelhos do Executivo, também não são parceiras da iniciativa privada. O conceito de regulação no Estado moderno obedece à legítima dinâmica democrática: geração sucessiva de poderes e contrapoderes visando prioritariamente ao bem-estar coletivo.

Regular mercados não significa necessariamente intervenção; também pode significar correção de rumo para evitar rupturas, retrocessos e perdas financeiras. Se a Anatel tivesse sido mais atenta à sua missão propulsora, não seria agora obrigada a exercer o desagradável papel de xerife.

O jornal Valor Econômico revelou no dia 23 que há seis anos o TCU exigiu providências da Anatel para um melhor atendimento dos consumidores, mas a agência atendeu a apenas 27% das determinações e só implementou 15% das recomendações do tribunal.

A morosidade não se deveu à incompetência técnica, mas a uma exótica solidariedade ao Executivo. O preço será proibitivo: forte desgaste na confiabilidade do órgão, enorme prejuízo político para o governo num cenário internacional marcado por incertezas, e uma maciça injeção de recursos para atender às exigências reparadoras e evitar o caos.

A adoção de novas tecnologias não se dá através de passes de mágica. A própria palavra "sistema" indica amplitudes e complexidades que transcendem a mera troca de equipamentos. Sistema é um conjunto ordenado e coordenado de elementos díspares dirigidos ao mesmo objetivo, de modo a obter deles o máximo de rendimento. Quando o desalentado funcionário põe a mão na cabeça e adverte que "o sistema caiu!", está constatando que ruiu o equilíbrio entre as partes, alguém – geralmente o mercado – privilegiou os seus interesses em detrimento dos demais.

O alemão Johann Gutenberg não inventou apenas o tipo móvel que permitiu a impressão de livros; desenvolveu uma prensa apropriada, uma tinta que não escorria e um papel capaz de absorvê-la sem borrar – inventou um "sistema" metalúrgico-mecânico-químico que, meio século depois, nas mãos do tipógrafo veneziano Aldus Manucius, ganhou portabilidade, conteúdo e mudou para sempre a forma de transmitir conhecimentos.

Este sistema integrado jamais caiu; ao longo de mais de cinco séculos foi compartilhado e harmonizado por todas as partes que o compõem. Esta história de sucessos foi regulada com extremo cuidado por uma agência chamada Interesse Público.

Alberto Dines é jornalista.

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