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Cargos ou competências? Quando a meritocracia não funciona
| Foto: Pixabay

Considerado um país em que trabalhadores são muito pouco produtivos quando comparados a alemães, belgas, ingleses e vários outros de países desenvolvidos, o Brasil sofre um amplo preconceito internacional em relação à indisciplina, incapacidade de cumprir prazos e metas, embora em algumas áreas específicas que exigem mais criatividade e inovação sejam valorizados, como é o caso, por exemplo, do Design e da Publicidade e Propaganda. Entretanto mesmo nestas, temos certa dificuldade em discernir habilidades de competências, talvez resultado de um processo educativo deficiente que ainda não conseguiu atingir um nível sequer razoável de qualidade do seu ensino de massa, apesar de certas instituições (muito) isoladas de qualidade.

Outro fator que com certeza interfere é nossa confusão entre cargos e competências, em grande parte devida ao familismo político e empresarial extremamente forte culturalmente entre nós, que fez com que funções de mando fossem frequentemente ocupados por poderosos, por seus filhos ou apaniguados, em postos chaves dirigindo o país ou organizações, sem que a competência fosse um critério, e ao mesmo tempo gerando impossibilidade de concorrência ou discussão. É o famoso “uns mandam e outros obedecem”, tão caracteristicamente brasileiro. Por isso, pequenos ocupantes de posições de poder municipais, estaduais ou mesmo federais podem exibir comportamentos pedófilos e nepotistas, serem assediadores contumazes, racistas, xenófobos, homofóbicos, misóginos, sem pejo e sem entraves.

Evitaríamos muito conflitos se efetivamente o poder de decisão estivesse com os mais capacitados.

O que também explica a pequena presença de mulheres em comando: a incompatibilidade entre comportamentos como empatia e bondade, considerados mais femininos, e aqueles associados aos líderes, como confiança e assertividade, costumam ser fonte de desacertos na a escolha daquilo que deve ser feito e o fato de executar o que deve ser feito com eficácia. Por isso, aqueles com habilidades técnicas, inteligência emocional e, no entanto, humildes, disciplinados, com bom poder de comunicação e concentração, isentos de muito narcisismo e de personalidade discreta, embora considerados excelentes trabalhadores, tem menor probabilidade de serem percebidos como tendo características de liderança.

Líderes de equipes são vistos como carismáticos, acostumados a mandar – conta ponto, portanto, ter nascido em família rica e influente – egoístas e de forte personalidade, porém nem sempre adequadamente preparados para os cargos que ocupam. Características do local, como valores, cultura organizacional e natureza da tarefa, podem ditar qual seria a forma mais apropriada de agir, e, no entanto, independente da situação, a liderança é historicamente definida em termos daqueles que “sempre tiveram o poder”, e de forma geral do sexo masculino.

Prezamos mais (ou tememos) o cargo que a competência de quem o exerce, e como na sabedoria das avós, “precisa saber fazer para saber mandar”, talvez isso explique em parte a ausência de inovação e ações expressivas nas organizações brasileiras. Oferecemos salários maiores aos detentores de cargos em detrimento dos melhores desempenhos, e seguimos declarando que somos “meritocráticos”, palavras no mais das vezes vazias, parte do péssimo marketing que fazemos achando que enganamos a todos.

Competência, definida como um conjunto de habilidades, comportamentos, atitudes e conhecimentos inter-relacionados, combinando sabedoria técnica e aptidões, normalmente traz segurança e elimina o “escudo” com que aqueles que não dominam a área que deveriam chefiar tentam se proteger, agindo com agressividade contra aqueles que, suspeitam, poderiam estar no seu lugar. Evitaríamos muito conflitos se efetivamente o poder de decisão estivesse com os mais capacitados, e seria interessante desvincular a ideia de maiores salários aos de mais alto cargo e sim aos peritos e destros.

Infelizmente até a área de educação não escapa de indicações políticas e de jogos lucrativos com os quais pessoas assumem postos que seriam importantes para o desenvolvimento econômico e social do país, mas que terminam apenas sendo douradas condecorações com atrativas remunerações, a exigirem obediência e apresentando pouca efetividade. Designamos sogras, filhas, noras e outros parentes para posições estratégicas na área educativa, moeda de troca para obtenção de vantagens ilícitas, assediamos mulheres subordinadas em empresas essenciais para colocar o Brasil no primeiro mundo. Assim é difícil aumentar a qualidade do nosso mundo do trabalho.

Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).

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