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“O Brasil não é um país sério”, eis uma frase atribuída a Charles de Gaulle, general e ex-presidente da França, o que, em verdade, não há comprovação real histórica. Entretanto, não pode ser de todo desconsiderada diante dessa pérola/jabuticaba da Terra Brasilis, terra do carnaval. Falo como brasileiro, sem nenhum complexo de inferioridade ou “viralatice”, mas na condição de rigoroso exercício de cidadania, partindo de quem paga impostos confiscatórios e despudorados que sustentam um Estado que acha que é “um fim em si mesmo”, e é este escriba que ainda acha que goza de alguma liberdade de expressão.
Estamos entrando no período do “reinado de Momo”, o carnaval. Sim, em nossa cultura é quase que um pecado; em si, um tabu, um valente ato de ousadia criticar tal manifestação, e, sob o “senso comum” e debaixo da famigerada “espiral do silêncio” de que, quem o fizer – deve ir pro inferno! Veja quanta ironia! O carnaval, no imaginário brasileiro, é uma espécie de suposta benção cultural, fomentada por boa parte da intelectualidade e por várias autoridades de todas as áreas, até por alguns sacerdotes que dizem não enxergarem maiores males na festa, posto que, nela, viabiliza-se um momento de os indivíduos “curarem” suas dores, sob a escusa da carga do sofrer na luta diária, coisa comum no planeta terra, trabalhar e suar pro sustento de cada indivíduo e sua família.
O carnaval não é somente uma atividade a ser refletida sob o véu da singela ética, moral e norte estoico; sim, precisamos sociologicamente e antropologicamente voltarmos às lentes científicas, principalmente a verificarmos o dito custo-benefício dessa 'nota do samba social'
O fato é que, longe de qualquer moralismo religioso, importa fazermos uma análise sob o prisma sociológico e antropológico. Pergunta-se: onde, no mundo ocidental, uma festa nesses padrões e modelo ocorre? Resposta: em lugar nenhum. Pode-se até dizer que em Veneza, na Itália, temos um carnaval e paralelamente, poderíamos tê-lo como balizador para os ditames da festa no Brasil. Ocorre que, lá, a comemoração assume contornos teatrais, lúdicos, inocentes, exóticos, como que em peças do gênero, e como tal, plasma mera encenação com máscaras e tipicidade de plasticidade, algo suave e com uma estética clássica.
Aqui, não; no Brasil há um “libera geral”, onde tudo é permitido, só não o proibir! É proibido proibir no carnaval do Brasil, com muita bebedeira, irresponsabilidade de muitos, uso de substâncias proibidas, drogas ilícitas, muita promiscuidade entre muitas pessoas, violências física e moral, e tudo mais e mais e mais!
Há décadas, por exemplo, pesquisas indicavam que antes do aquecimento da robotização nas linhas de montagem automobilística, após a folia, tínhamos carros com maiores índices de defeitos e consequentes acidentes, tudo graças à farra, à ressaca e à ansiedade de muitos trabalhadores provocadas pelo momento que ora tratamos. Por outro lado, o índice de gravidez indesejada, transmissão de Doenças Sexualmente Transmitidas cresciam de forma considerável. As faltas ao trabalho no decorrer carnavalesco aumentam; bem como a violência contra mulher e brigas e acidentes de trânsito, violência em geral também sofrem até hoje um nível ascendente. Isso tudo tem um custo para o contribuinte nacional; essa conta é paga por todos, mesmo por quem sequer passa a 3.000 Km das avenidas momescas.
O carnaval não é somente uma atividade a ser refletida sob o véu da singela ética, moral e norte estoico; sim, precisamos sociologicamente e antropologicamente voltarmos às lentes científicas, principalmente a verificarmos o dito custo-benefício dessa “nota do samba social”, que pode ser muito cara e nem notamos, ou temos receio de notar. Quiçá por medo do julgamento do ser humano médio brasileiro (da opinião pública) rotular quem fizer oposição ao experimento do carnaval, apontar ser ele um hiato ético e moral de 4 dias, sendo uma figura anticultural, e de usar vestes de um antiesteta ultrapassado.
E por último e muito curioso, é de se lembrar o mais “tropical” dos pensamentos reinantes: o “mito” de que no Brasil, o ano só começa depois do carnaval!
Ricardo Sérvulo, advogado e jornalista, é pós-doutor em Direito.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



