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Se cerveja também é álcool, como tolerar sua relação com o esporte?

Parece redundante falar o óbvio, ou seja, que cerveja também é álcool. Contudo, por mais contraditório que pareça, a Lei 9.294/96, que estabelece restrições à publicidade de tabaco e de bebidas alcoólicas, previu que, para os fins daquela lei, somente seriam consideradas bebidas alcoólicas aquelas com teor etílico superior a 13 graus Gay-Lussac. Portanto, para fins de publicidade, cerveja não é bebida alcoólica e, em decorrência, permitiu-se a publicidade de cervejas vinculada ao futebol. A lei resultou em significativa mudança na publicidade de cigarros, antes associados à aventura, esportes e sucesso, fixando na mente dos consumidores a mensagem subliminar que os incentivava ao hábito de fumar. A intensa publicidade da indústria cervejeira associada a artistas famosos e a desportistas tem o mesmo efeito subliminar, apesar de o consumo de bebidas alcoólicas ser incompatível com a prática de esportes

Leia a opinião completa de Cristina Corso Ruaro, promotora de Justiça, é coordenadora do Projeto Semear – Enfrentamento ao Álcool Crack e Outras Drogas do Ministério Público do Estado do Paraná

A Copa do Mundo chega ao fim. O Brasil não foi hexa, mas ganhou muito com a Copa. Um dos principais aprendizados é a certeza de que cerveja nos estádios não gera violência.

O brasileiro tem três paixões: futebol, cerveja e futebol com cerveja. Uma em cada quatro cervejas consumidas no Brasil tem alguma relação com o futebol, seja pelos torcedores assistindo aos jogos, ou na sagrada pelada com os amigos. A indústria da cerveja é parte importante de todo o arranjo produtivo do futebol brasileiro e cada R$ 100 milhões consumidos em cerveja geram R$ 338 milhões na economia do país. Pesquisa do Ibope mostra que 64% dos torcedores bebem cerveja vendo futebol. O consumo de cerveja nos estádios não pode, portanto, se resumir simplesmente à Copa.

Em que pese o achismo de algumas pessoas, não há nenhuma evidência científica ou empírica que comprove qualquer relação entre cerveja e violência, muito pelo contrário. Estudo feito no Mineirão evidencia que as ocorrências relacionadas às bebidas alcoólicas aumentaram 15% depois da restrição ao consumo de cerveja no estádio, e houve também um aumento sensível das ocorrências envolvendo o porte de drogas e o consumo de álcool ilegal.

Na Inglaterra, onde as autoridades acreditaram que a proibição da cerveja diminuiria a violência, após 15 anos de estudo descobriu-se que os torcedores aumentaram a quantidade de álcool antes das partidas e passaram a ingerir bebidas mais fortes, reunindo-se em bares dos arredores, aumentando a chance de encontro entre torcedores rivais e deixando para entrar no estádio em cima da hora, o que dificulta muito todo o planejamento de segurança pública.

Pesquisa feita pela FGV revela que apenas 5% da população pensa que o consumo de bebida alcoólica no estádio tem alguma relação com violência, e conclui que os principais fatores que a influenciam são: grupos fanáticos de torcedores, decisões de árbitros, declarações de jogadores, treinadores e dirigentes, notícias esportivas, infraestrutura inadequada dos estádios de futebol, falta de controle policial e falta de preparo dos agentes de segurança pública no tratamento ao torcedor.

É importante lembrar que, no Brasil, a restrição ao consumo de cerveja nos estádios não tem amparo em nenhuma lei federal e o Estatuto do Torcedor, que realmente precisa ser melhor regulamentado, não faz menção específica à cerveja e nem tampouco proíbe expressamente seu consumo durante os jogos. Embora alguns estados possuam legislação específica sobre o assunto, foi a CBF que proibiu a venda de bebidas alcoólicas em partidas oficiais de futebol, através da Resolução da Presidência n.º 01/2008, com base em Protocolo de Intenções celebrado com o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público. O curioso é que uma das razões que justifica a proibição neste documento é uma regra da Fifa, que já foi modificada justamente para permitir o consumo de cerveja nos estádios, respeitando a cultura de cada país.

Outro contrasssenso é que o presidente da CBF também presidiu o Comitê Organizador da Copa. Com uma mão, restringe a cerveja no estádio, e com a outra, libera.

Pedro Trengrouse é professor de Direito Desportivo da FGV.

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