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Cevando a população
| Foto: Felipe Lima

Uma técnica antiga para domesticar os animais consiste em cevá-los. Trata-se de colocar habitualmente uma quantidade de alimento num lugar específico para que os animais selvagens se acostumem e se tornem dóceis. Essa técnica é bastante praticada em pesqueiros. Para aumentar a produtividade de um dia de pesca se coloca por diversos dias anteriores uma quantidade de alimento. Os peixes criam o hábito de buscar comida naquele local e período. Tornam-se, assim, presas fáceis para os pescadores. Essa prática, se continuada, estabelece uma dependência desse alimento artificialmente disponível. O mesmo acontece com outros animais, razão pela qual se proíbe dar alimentos nas reservas naturais. O hábito da comida fácil os torna dependentes e de fácil captura.

Similarmente esse é o resultado de políticas de distribuição de renda como o Bolsa Família iniciado com 3 milhões de famílias, em 2003, e que hoje atende 14 milhões. Tais números mostram que não houve crescimento econômico suficiente para absorver esses potenciais trabalhadores e que precisam de ajuda. O mesmo acontecerá com o auxílio emergencial implantado pelo governo como resposta a pandemia, também chamado de corona-voucher. Estima-se que 33 milhões de pessoas tenham recebido a primeira parcela. Acostumar a população a receber um valor sem contrapartida de trabalho pode levar a redução de seu interesse em efetivamente buscar um emprego. Efeito semelhante ocorre em países europeus onde o auxílio-desemprego é generoso. A busca por trabalho se torna mais seletiva e aumenta a dependência do indivíduo dos programas de renda dos governos. Há casos, nesses países, onde o auxílio-desemprego atende completamente as necessidades de alguns indivíduos que passam a ser eternos desempregados vivendo do auxílio do governo. Pessoas que dependem de ajuda do governo são presas fáceis a políticos populistas, pois deixaram de buscar por seu próprio sustento.

Por outro lado, devemos lembrar que qualquer recurso pago pelo governo tem origem nos impostos. Para pagar o Bolsa Família ou o auxílio emergencial o governo primeiro tirou esse dinheiro da sociedade. No Brasil, vivemos com uma elevada carga tributária e aumentar impostos é altamente impopular. Daí resulta que o dinheiro destinado ao corona-voucher seria usado para pagar outras despesas. Se esse recurso fosse aquele usado para pagar as benesses de políticos e funcionários públicos, certamente estaríamos de acordo em transferi-lo para os programas sociais. Infelizmente não é este o caso. Tais recursos são realocados das despesas gerais, como saúde, segurança e educação. Ou seja, aumentar o assistencialismo por uma renda extra paga pelo governo, tem o efeito de reduzir os recursos disponíveis para áreas já definidas e carentes desses recursos.

No caso da pandemia por coronavírus, mais importante que utilizar o dinheiro dos impostos para aliviar momentaneamente a população que sofre com o desemprego seria usar esses recursos para testar a carga viral da população. Assim se poderia enfrentar o desemprego ao permitir que os indivíduos imunes à doença, ou que já a tiveram de forma assintomática, possam manter suas atividades normais e, com isso, reduzir o nefasto impacto econômico da restrição à liberdade criado pela quarentena.

A manutenção do auxílio emergencial, além de ter forte impacto nas contas públicas, estimado em R$ 150 bilhões, torna aqueles que o recebem mais suscetíveis a ações de políticos populistas. A retomada da economia é o melhor auxílio a ser dado aos que tiveram seus empregos e rendas suprimidos pela crise econômica criada artificialmente. Vale lembrar a frase do ex-presidente americano Ronald Reagan: “Não devemos julgar os programas sociais por quantas pessoas estão neles, mas por quantas estão saindo”.

André Burger é economista com mestrado em finanças pela UFRGS, atua na área de investimentos, private equity e finanças corporativas.

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