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Charlie Kirk e a espiritualidade das gerações Millennial e Z

Mural em Ashdod, Israel, em homenagem a Charlie Kirk, assassinado em 12 de setembro. (Foto: EFE/EPA/ABIR SULTAN)

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Charlie Kirk, um dos fundadores do movimento TPUSA (Turning Point USA), pode ser descrito como um ativista político e religioso, que tinha como máxima a ideia de que “Quando as pessoas param de conversar, é aí que surge a violência”. Pautado na liberdade de expressão, Kirk empenhou-se, para além da atuação política, a alertar aos jovens americanos que as rupturas radicais na sociedade poderiam levar, em último caso, a desumanização de qualquer um que tenha uma ideia divergente.

Em suas visitas aos campi universitários, alunos e professores interagiam com o ativista por meio de perguntas, provocações e encenações e recebiam de volta um comentário sóbrio e lógico. As temáticas nesses debates variavam entre educação, religião, ações de movimentos sociais, política, economia, esportes e outras levantadas pela própria audiência. Pelo incômodo causado por suas opiniões, sofreu um atentado fatal na Utah Valley University (Universidade do Vale de Utah), no dia 10 de setembro, durante o primeiro comício de uma série de visitas intitulada The American Comeback Tour.

Não obstante o impacto que a morte de Charlie Kirk causou em todo o mundo – vide as vigílias que foram feitas em diversas regiões dos Estados Unidos; em cidades da Inglaterra; em Sydney, na Austrália; em Calgary, no Canadá; e em vários outros países –, é fundamental compreender em que medida suas ideias e ações representam a tendência de pensamento duas gerações nascidas entre os anos de 1980 e 2010, as chamadas geração Millennial (1981-1996) e geração Z (1997-2010).

Focados no retorno a espiritualidade cristã (ainda que não obrigatoriamente em uma religião), essas gerações têm buscado uma forma viver que não dependa de ideologias coletivistas, de doutrinas seculares ou das promessas do Estado. Como aponta Charlie, elas têm procurado uma certa verdade moral e um afastamento do relativismo que passou a desestruturar principalmente os sistemas educacionais, as políticas econômicas e as prioridades individuais.

Percebe-se que as ideias de Charlie Kirk resumem os anseios de jovens adultos ao redor do mundo e que, ao longo de mais de uma década, marcaram o movimento de retorno ao cristianismo e às lições bíblicas

Entre as inúmeras temáticas debatidas nas visitas de Charlie Kirk aos campi, destaca-se a ideia de que o modelo de educação, especificamente os universitários, tendem a iludir os alunos e fraudar o conhecimento como forma de enriquecimento institucional. Há um vasto registro dos debates acerca do tema nos canais do ativista e do TPUSA, no Youtube, Instagram e X, mas podemos selecionar algumas intervenções que sumarizem essa visão.

No vídeo postado em 2 de abril de 2024, no canal Charlie Kirk, intitulado “The Scam: Exposed”, Kirk responde ao indagador que cerca de 40% dos alunos que iniciam uma faculdade nos EUA não a concluem e aproximadamente metade daqueles que se formam não se encontram trabalhando na área depois de 10 anos. Mesmo com a contrarresposta de que as universidades propiciam o desenvolvimento de habilidades e competência diversas, que poderão ser usadas pelos alunos ainda que atuando em outras áreas, a alegação de Charlie é que a maior parte desses empregos não exige um diploma universitário. Argumenta que as faculdades “enganariam” os estudantes que costumam assumir grandes dívidas ao longo de sua formação e, posteriormente à formatura, iniciam a vida profissional como devedores e com um diploma que não será usado.

Em outro vídeo é possível compreender melhor a estrutura dessa crítica. No episódio de Surrounded, publicado em 8 de setembro de 2024, programa promovido pelo canal Jubilee, Charlie Kirk é convidado a debater com 25 estudantes progressistas sobre seus temas de maior polêmica. Acerca da educação, o debatedor afirma que a finalidade de uma universidade deveria ser ensinar, como nas artes liberais, aquilo que é “bom, verdadeiro e belo”, ajudando no aprimoramento individual e, como consequência, na formação de cidadãos capazes de refletir sobre questões mais profundas e complexas da sociedade.

Tais visões refletem o sentimento geracional de que aquele conhecimento oferecido pelo sistema educacional, quando confrontado com a realidade, não oferece respostas satisfatórias aos problemas sociais nem caminhos pacíficos e saudáveis para a vida privada. Pelo contrário, as gerações nascidas entre 1990 e 2010 vêm percebendo que aqueles que pautaram suas escolhas com base no que aprenderam nas escolas e universidades têm maior probabilidade de não entender a realidade em que se inserem, vivendo em dissonância cognitiva.

Nessa perspectiva, a busca por um conhecimento que aponte para uma verdade objetiva só seria possível se feita fora do sistema educacional e se possibilitada pelo livre uso da internet. Com o interesse dessa geração por aprimoramento individual e por uma verdade capaz de explicar a realidade, a espiritualidade cristã ganha espaço ao oferecer uma via educacional que atenda as necessidades intelectuais, espirituais e morais de forma lógica e factual.

À questão educacional, soma-se a frustração econômica dessas gerações. Perguntado por Tucker Carlson, em 21 de julho de 2025, no programa The Tucker Carlson Show, sobre quais seriam as preocupações mais urgentes da geração Z, Charlie Kirk responde que são os problemas econômicos dos americanos que mais preocupam os jovens. A “ansiedade econômica”, como o ativista observa esse fenômeno, seria um sintoma de um modelo pautado no aluguel e na emissão de crédito, gestado nas gerações anteriores.

As gerações Millennial e Z, diferente das outras, continua Kirk, possuem mais dificuldades em adquirir imóvel próprio, ficando presos ao aluguel. Aquilo que deveria ser um modelo transitório de moradia, tornou-se, nas últimas décadas, o principal formato de habitação e sinônimo de falta de estabilidade patrimonial. A idade média de compradores de uma primeira casa, aponta o ativista, citando os índices norte-americanos, saltou de 30 anos, em 2008, para 38 anos, em 2025. A culpa por esse modelo recai sobre o Estado, criticado por gerenciar os recursos financeiros do país sem considerar gerações posteriores.

Além dessa tendência iniciar uma bola de neve de maus hábitos financeiros, Charlie indica que a ansiedade econômica reflete nos valores morais geracionais: “se você não possuiu algo, como desenvolverá um sentimento de protegê-lo?”. Os adultos que possuem em média entre 25 e 35 anos, acabam por se sentir inseguros em formar família, se casarem, terem filhos e investirem na vida particular. Transportam o sentimento de uma vida financeira baseada em crédito para a vida privada, isto é, pautam-se pela ideia de que uma pessoa não pode se realizar por completo até possuir o “crédito social” necessário para isso.

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Para compreenderem tal situação e buscarem romper com essa tendência, os millennials e a geração Z têm se voltado, assim como na educação, aos movimentos cristãos. Entendem que somente por meio do cristianismo é possível desvincular a realização individual dos parâmetros financeiros exigidos pelo Estado. Passam a defender que a segurança financeira, ainda que almejável, não é mais importante que formar família e fortalecer a alma e que, mesmo na dificuldade, as conquistas individuais que satisfazem a consciência são mais valiosas que as conquistas materiais coletivas.

Quem não se identifica com tais perspectivas, mesmo pessoas de setores religiosos, confundem a guinada ao cristianismo dessas gerações com radicalização doutrinária de perspectivas políticas extremas. Contudo, ao olharmos de perto as ideias de Kirk e as tendências dessa geração, notamos que na verdade há uma motivação nesses jovens em reconstruir as prioridades individuais a partir da moral estável e testada. Procuram, por meio da espiritualidade, priorizar a vida privada e particular antes da vida social.

Esse movimento é sintetizado por Kirk em diversas oportunidades (postagens, debates, entrevistas etc.) na apresentação da hierarquia “Deus, família e país”. O primeiro grau de prioridade pode ser entendido como a busca por uma verdade maior e estável, que ofereça respostas lógicas para as questões da realidade, resiliência pessoal e um propósito que não seja material. O segundo grau é visto como a criação de algo que o Estado não possa controlar, que seja capaz de se opor aos avanços coletivistas contra a vida e que possibilite a criação de uma nova geração mais bem preparada que essa. Pelo último grau, busca-se fortalecer instituições que representem os consensos de um país e que, ao invés de agirem contrários aos cidadãos, ajudem a garantir os valores necessários para o convívio social.

Percebe-se, por fim, que as ideias de Charlie Kirk resumem os anseios de jovens adultos ao redor do mundo e que, ao longo de mais de uma década, marcaram o movimento de retorno ao cristianismo e às lições bíblicas. Desconfiados com o Estado e saturados das normas coletivistas autoritárias, essa geração vem encontrando nos exercícios espirituais cristãos uma forma de obter conhecimento realista, noções individuais de valore prioridades para a vida privada.

Rodolfo Nogueira da Cruz é doutor em História, professor em cursos de Comunicação Social e Direito, e autor dos livros “Escritos para ordenar o clero no reino de Castela” e “O Confessional e A Exposição da Missa de D. Afonso de Madrigal, o Tostado”.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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