Nas eleições de 1º. de outubro de 2006, 16,74% do eleitorado brasileiro se abstiveram de votar; 2,73% votaram em branco; e 5,68% anularam o voto. Existe, nesse fato, uma clara mensagem aos políticos e a toda a nação. De fato, cerca de 25,15% de nossos cidadãos eleitores estão desiludidos do voto e acreditam no ditado popular: "Mudam as moscas, mas a podridão continua a mesma". Esses eleitores desiludidos têm fortes razões para agir assim.
Todos sabemos que os negócios públicos (justiça, segurança, emissão de moeda, etc.), assim como qualquer negócio privado (empresas), são administrados por pessoas que se organizam para isso de uma determinada forma. As pessoas e a forma de organização são igualmente importantes. É fundamental, para qualquer trabalho, que as pessoas estejam dispostas a servir, sejam honestas e preparadas. Contudo, isso não garante o sucesso do negócio. Um barco com uma tripulação de cinco ótimos remadores, em que quatro discutem a rota e apenas um rema, perderá a corrida para outro barco idêntico com apenas três remadores, em que dois remam e um indica a rota.
A forma como as pessoas se organizam para realizar um trabalho (público ou privado) é tão importante quanto a qualidade das pessoas. Pessoas certas, organizadas da forma certa, terão insucesso se tentarem vender geladeiras no Pólo Norte ou se montarem uma sociedade que destrói sistematicamente os recursos naturais não-renováveis. Resumindo: para se ter sucesso, é preciso que as pessoas certas, organizadas da forma certa, façam o negócio certo e respeitem as leis da natureza.
Além das leis da natureza, existem também as leis que os homens fazem para regular seu convívio. Aí, na elaboração das leis que regulam a vida em sociedade, reside um grande perigo e um complexo problema. Se os homens elaborarem leis más, eles arruinarão a si próprios. Para garantirem a liberdade dos cidadãos, as leis devem ser bem-feitas e em número reduzido. O Brasil tem mais de 25.000 leis federais que se constituem em verdadeiro monumento à nossa incapacidade de fazer poucas e boas leis. As leis interferem fortemente nas formas como os homens se organizam para realizar seus negócios.
Em uma democracia, os governantes (pessoas que ocupam os principais cargos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) são escolhidos entre a população e não são nem anjos nem demônios, nem gênios nem tolos; são como todos nós, pessoas comuns e boas. Pessoas comuns e boas, quando começam a trabalhar em um negócio, público ou privado, rapidamente se adaptam à cultura (forma de organização) existente no local de trabalho. Se o negócio está mal-organizado e a cultura de não trabalhar e se servir do negócio, em vez de servi-lo, já está instalada, não adianta trocar as pessoas (governantes); as coisas continuarão não dando certo. Enquanto continuarmos acreditando em salvadores da pátria e terceirizando nossa cidadania, nada mudará.
É preciso exigir um governo (municipal, estadual e federal) enxuto e produtivo. Não precisamos de 513 deputados federais (180 seriam mais que suficientes); não precisamos de tantos deputados estaduais e vereadores nem de mais de 100.000 cargos de confiança. Também não precisamos de profissionais da política (a reeleição é um mal), tampouco deveriam existir aposentadorias especiais e outras mordomias. É preciso, enfim, fazer as famosas reformas que todos queremos e que jamais acontecerão enquanto alterarmos apenas as pessoas. É fundamental a mobilização dos cidadãos para que a forma viciada de organização dos negócios públicos no Brasil seja alterada.
Ser cidadão de primeira classe, preocupar-se com os negócios públicos, não significa, necessariamente, ser candidato a cargo público ou simplesmente votar a cada quatro anos para eleger um presidente. Ser cidadão significa, sobretudo, ter o poder de interferir na forma como as pessoas vão se organizar para realizar os negócios públicos e gastar o nosso dinheiro, recolhido por meio dos impostos. Enquanto não formos capazes disso, continuará valendo a máxima popular: "Mudam as moscas, mas...".
Oriovisto Guimarães é professor, diretor-presidente do Grupo Positivo, reitor do UnicenP Centro Universitário Positivo e membro da Academia Paranaense de Letras (APL).



