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| Foto: Nicolas Tucat/AFP

“A élite tem medo do fim do mundo, nós temos medo do fim do mês.” Com esta tirada, pronunciada por um manifestante com o característico colete amarelo a uma televisão francesa, explica-se a origem e o fim último do movimento que está colocando a França em desordem, e que se espalhou depois para Bélgica e Holanda.

O protesto iniciou com uma petição, lançada, como tantas outras, no Change.org, por Priscillia Ludosky. A petição requeria a diminuição dos impostos sobre a gasolina, depois do enésimo aumento. A justificativa adotada pelas autoridades era, sobretudo, ecológica. O novo imposto sobre a gasolina foi, de fato, introduzido pelo primeiro-ministro Édouard Philippe, com as bênçãos do presidente Emmanuel Macron, como parte do esforço contra o aquecimento global. Nasce aqui, então, a nova oposição social. É melhor pagar mais, ou então renunciar ao automóvel, porque se tem medo do “fim do mundo”? Ou o problema maior é o carro e a gasolina que impede de chegar ao “fim do mês”?

Não é um problema pequeno, considerando quantos franceses da dita (e cada vez mais escorchada) “classe média” se mudaram para fora das grandes cidades, a fim de evitar tanto o perigo das periferias como os altíssimos custos dos centros históricos. Escreve o geógrafo Christophe Guilluy: “A poluição dos deslocamentos dos ‘ricos’ é, portanto, menos taxada que a dos ‘pobres’ sedentários. Em termos gerais, as metrópoles são novas cidadelas medievais, com uma burguesia que se tranca dentro de seus bastiões e que pretende também instituir em breve pedágios urbanos: é o retorno das concessões! Nestes espaços fechados, os habitantes precisam apenas de conexões para sair: aviões, trens de alta velocidade; para eles, o automóvel é obsoleto. De modo inverso, as classes populares hoje vivem sempre mais distantes do local de trabalho e precisam vitalmente do automóvel. A demonização do automóvel conduzida pelas élites evidencia uma espécie de inconsciência das dificuldades reais destes concidadãos e até mesmo um desprezo pela classe. A reação do topo da classe política foi acusar as classes populares de não ter consciência dos problemas ecológicos! Os conflitos sociais sempre existiram, mas esta é a primeira vez na história que há uma perda tão grande de contato entre as partes alta e baixa da sociedade”.

Flavio Gordon: A tirania da penitência: Au revoir, France! (28 de novembro de 2018)

Leia também: A França sem identidade, mas ainda com liberdade (artigo de Cristiano de Angelis, publicado em 8 de maio de 2017)

As cenas que chegam de Paris e de outras cidades nos sugerem, porém, que está em curso um protesto de tipo bem diferente. As manifestações sempre foram violentas; desde o início, as barreiras dos primeiros protestos, de 17 de novembro, procuravam bloquear os transportes e paralisar as estradas. Depois, destruir os símbolos do Estado, como os radares e as repartições do Ministério das Finanças. Os casseurs (vândalos) dos protestos nas cidades, de 24 de novembro até hoje (4 de dezembro), não só em Paris, destroem também propriedades privadas, incendeiam carros, quebram vitrines, picham os muros. Parece que querem atingir os outros cidadãos mais ricos, não mais o Estado; que são movidos mais pela inveja social, tal qual a extrema-esquerda, do que pelo protesto contra os impostos. O balanço de sábado é dramático: depois de uma manifestação que reuniu 136 mil pessoas somente em Paris, contam-se 263 feridos. No total, de 17 de novembro até 4 de dezembro, há três mortes diretamente ligadas às manifestações. São vítimas “colaterais”, e não mortas deliberadamente, mas explicam o nível de violência das manifestações. O número de feridos cresce proporcionalmente com o passar do tempo, outra demonstração de que o protesto está se transformando semana após semana, tornando-se mais feroz.

A força do movimento – mas também a sua fraqueza – é a sua espontaneidade. O protesto dos coletes amarelos nasceu de uma petição e se desenvolveu nas redes sociais. Trata-se de um movimento puramente “horizontal”. Não há um líder, não há nem mesmo um verdadeiro e próprio porta-voz, e recusou até agora toda interferência dos partidos da oposição. Priscillia Ludosky foi a primeira a tomar a iniciativa e pode bem ser considerada mãe do movimento, mas não o comanda. Como todos os movimentos espontâneos, também os coletes amarelos são, portanto, mais permeáveis às infiltrações, seja as infiltrações ideológicas, seja as dos puros desordeiros, que na França (especialmente em Paris) vimos em ação durante a festa da Copa do Mundo de 2018.

Em relação às infiltrações ideológicas, o movimento nasceu com o único escopo de pedir uma redução das taxas sobre a gasolina, mas está se transformando em um conjunto de reivindicações diversas, muito similares ao Movimento dei Forconi na Itália, cinco anos atrás. Os pedidos considerados “imediatos e incondicionais” são sempre “bloqueio do aumento dos impostos sobre os combustíveis fósseis e anulação da sobretaxa sobre a revisão obrigatória dos veículos”. Mas também demandam, para um futuro próximo, a convocação de uma “assembleia de cidadãos” para discutir uma “transição ecológica” e “levar em conta a voz dos cidadãos”. Neste último ponto entra um grande caldeirão de propostas, frequentemente contraditórias entre si, como a de impor uma tabela oficial sobre os preços e de abolir o Senado, de pôr fim a imigração clandestina e de resolver “os problemas que estão na origem das migrações”. Protesta-se contra o imposto ecológico sobre a gasolina e se requisita a proibição do glifosato; quer-se aumentar o salário mínimo e colocar um teto máximo para as remunerações maiores. Uma revolta nascida contra os custos e o peso do Estado pede, entretanto, ao mesmo Estado que dê pensões maiores, bloqueie as privatizações e as deslocalizações e termine com a austeridade. Todas essas coisas custam muito; portanto, comportam necessariamente muitas outras taxas. O Estado, neste período, também na França, tem muito pouca margem de manobra: ou corta as despesas (e os manifestantes não o querem) ou deve manter as taxas altas. Outra alternativa realista não existe. A isto se soma a drástica queda de popularidade de Macron, o que reforçou ainda mais sua atitude, pois teme que uma concessão pareça uma rendição.

A infiltração dos desordeiros e a degeneração dos confrontos se torna quase inevitável

Como se explica a passagem do antiestatismo inicial ao ultraestatismo em apenas duas semanas? “Quanto aos coletes amarelos, em qual momento os que entre eles tomaram a palavra puderam alguma vez entender que o Estado e sua obesidade está na origem de seus males e que é o Estado que devem combater?”, pergunta-se, no editorial de 3 de dezembro, a publicação on-line Contrepoints, um dos mais ativos e assíduos defensores do movimento. “Ninguém lhes disse ‘nunca’; nem a mídia, nem os políticos. A escola republicana empenha-se, o tanto quanto pode, a gabar este Estado onipresente, este coletivismo exaustivo, o sistema social que o mundo inteiro inveja. A todo momento da vida de um francês, quando assiste à tevê, lê os jornais, escuta o rádio, os seus artistas, os seus políticos, os seus sindicalistas esbravejam contra a iniciativa privada (...) e incensam a ação do Estado, recordando a sua indispensabilidade, minimizando os seus erros e as suas catástrofes”. Assim, a publicação de inspiração liberal, embora sempre propositiva em relação aos manifestantes, explica a “deriva inevitável” de seu movimento. E, com o surgimento de novas instâncias dentro dele, degenerou ao mesmo tempo, também, a sua modalidade de ação.

Mesmo porque, não sendo uma organização hierárquica, nem uma verdadeira entidade representativa, a infiltração dos desordeiros e a degeneração dos confrontos se torna quase inevitável. Mas depois do desastre de sábado em Paris, com carros, negócios, bancos e casas devastados, a atitude do governo se endureceu ainda mais. A condição da negociação com os “porta-vozes” dos coletes amarelos, até semana passada, era a de excluir o pedido de demissão do presidente Macron. Depois dos confrontos, o porta-voz do governo Benjamin Griveaux declarou que a negociação não se fará e que o governo avaliará todas as opções para encerrar a violência. E os porta-vozes dos coletes amarelos que teriam querido tratar com o governo receberam ameaças de morte.

Em um recuo bastante clamoroso, o governo anunciou uma moratória no aumento das taxas sobre combustíveis fósseis, a fim de contribuir para a diminuição das tensões. O pedido principal dos coletes amarelos pode, portanto, considerar-se satisfeito. Tratava-se da pré-condição requerida para iniciar as negociações; então, nos próximos dias, um encontro entre governo e porta-vozes dos coletes amarelos é ainda possível.

Stefano Magni, jornalista e ensaísta, é bacharel em Ciências Políticas, autor de “Contro gli statosauri, per il federalismo” e professor associado no curso de Geografia Econômica da faculdade de Jurisprudência da Università degli Studi di Milano. Tradução: Rafael Salvi.
© 2018 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.
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