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Como a supressão de direitos avança no Brasil, inclusive do ensino domiciliar

(Foto: Compare Fibre/Unsplash )

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No meu último artigo, falávamos de um movimento aparentemente inofensivo que apresenta o impedimento da venda de terrenos, para evitar loteamentos e construções, como alternativa viável à manutenção da cata. No II Encontro das Catadoras de Mangaba de Sergipe, em 2015, além da representante e das integrantes do MCM, também esteve presente uma equipe constituída pelo MPF-SE para a formação de uma proposta de conservação da atividade extrativista da mangaba, composta por técnicos da Embrapa Tabuleiros Costeiros, Incra-SE, Ibama-SE,Semarh-SE (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), Seides-SE (Secretaria de Estado da Inclusão Social, Assistência e Desenvolvimento Social), ICMBio-Sede e Adema-SE (Administração Estadual do Meio Ambiente de Sergipe).

Embora a equipe não tenha recomendado o livre acesso às terras privadas como estratégia para a conservação da atividade extrativista, há de se reconhecer que tal feito foi alcançado por outra comunidade tradicional. A Assema, Associação de Áreas de Assentamento do Estado do Maranhão, criada ainda em 1989, conquistou, no mesmo ano de 2007, ano do I Encontro das Catadoras de Mangaba, a aprovação da “Lei do Babaçu Livre” em exatos treze municípios. A conquista alcançada, segundo uma das líderes da associação, Maria Alaídes Alves de Sousa, então vereadora do PT e membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente, garante a livre entrada das famílias em áreas para a coleta dos frutos, mesmo em propriedade privada, e a proibição da derrubada das palmeiras.

Não há no Código Penal o crime de ensinar os filhos em casa, embora contenha, no art. 150, a tipificação do crime de invasão de domicílio. Ainda assim, pais educadores não podem praticar ensino domiciliar no próprio lar

Destaco: mesmo em propriedade privada. O caso foi apresentado na palestra de abertura do I Encontro das catadoras de mangaba, em 2007. Observe que, ainda em 2015, a ideia de relativização da propriedade privada permanecia como interesse da comunidade tradicional.

Já ouviu falar da técnica de manipulação psicológica conhecida como “pé na porta”? A técnica consiste em conquistar a aprovação de uma ideia considerada absurda de forma gradual, como, por exemplo, a abolição do direito à propriedade. Você não apresenta um projeto de lei suprimindo completamente tal direito, até porque, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, os direitos adquiridos não poderão retroagir. Entretanto, você pode desgastá-lo de tal forma que em determinado momento ele se torne não mais um direito, mas um dever.

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Seu primeiro projeto deve levar em conta algo transcendental como a natureza, o futuro das gerações, as mudanças climáticas, a manutenção da espécie... como aquelas políticas de filho único ou triplo que existem por aí. Então, para impedir a extinção da espécie, é justo aprovar um projeto que puna o cidadão que cortar ou derrubar a mangabeira. Aí, no próximo carnaval, quando todos tiverem esquecido da resistência à aprovação do projeto de lei, quando todos os canais de televisão e influenciadores já estiverem cansados de fazer propaganda da mangaba, você apresenta o segundo permitindo que os agentes da preservação da espécie tenham permissão para catarem (e coletarem!) os frutos onde quer que eles estejam.

Veja, aqui você não precisa relembrar as pessoas da propriedade privada ou fazê-las pensar no conceito. Tudo o que você precisa fazer é adotar uma narrativa convincente sobre os riscos da extinção da mangaba no estado de Sergipe. Use a criatividade.

Não há no Código Penal o crime de ensinar os filhos em casa, embora contenha, no art. 150, a tipificação do crime de invasão de domicílio. Ainda assim, pais educadores não podem praticar ensino domiciliar no próprio lar, enquanto completos estranhos têm o direito de invadi-lo para lucrar sobre os bens que o detêm. Naquela cena hipotética, você correria o risco de perder a guarda das crianças se alguém denunciasse o seu terrível ato de educá-las, enquanto os invasores sairiam impunemente da sua residência com os baldes cheios.

Todos os deputados daquele partido que tenta relativizar o direito à propriedade, dentre outros direitos, votaram contra a aprovação do Projeto de Lei 3179 de 2012 que regulamenta o ensino domiciliar no Brasil. O projeto tem como objetivo conferir segurança jurídica às famílias educadoras – embora não fosse necessário se o nosso ordenamento fosse respeitado – e aguarda votação no Senado Federal.

Isadora Palanca é escritora, ghostwriter e revisora, com formação em Direito, mediação e especialização em Direito e Processo Civil. É autora dos livros “Ensino domiciliar na política e no direito”, “Regulamentações do ensino domiciliar no mundo” e “AFESC: em defesa do ensino domiciliar”, e procura famílias que pratiquem homeschooling fora do Brasil para o próximo livro.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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