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Você daria emprego a um ex-presidiário? Com certeza, a imensa maioria das pessoas responderia negativamente. E isso é até, em parte, compreensível porque nem o Estado emprega egresso. Mas não pode ser aceitável. A negação de uma nova oportunidade na vida para alguém que errou, foi condenado e cumpriu sua pena perante a Justiça, não é apenas uma resposta. É a dura e crua realidade, não apenas para os que egressam dos presídios. Mas para toda a sociedade, que vê a escalada da criminalidade recrudescer a cada dia.

Um homem, ou mulher, que porventura teve a desgraça de um dia agir de modo criminoso, por mais severo e rigoroso que tenha sido o tempo de vida e de liberdade perdido num cárcere, por mais arrependido que esteja, por mais vontade de se regenerar que tenha, dificilmente voltará a ser visto com um novo ser, pronto para ser reintegrado ao convívio social. Durante um tempo ainda tentam, vagam em busca de uma porta que se abra, mas parecem não conseguir se livrar do estigma.

Como evitar, então, a reincidência, a volta à criminalidade? A imensa maioria dos condenados e apenados é composta de jovens. Uma força de trabalho que nos presídios ecoa dos ralos fétidos, que se amontoa nas celas que onde cabem quatro são prensados dez, doze, nas cadeias para vinte se amontoam setenta, noventa, mais de cem seres humanos. Sim, apesar do mais hediondo dos crimes, ainda pertencem a nossa espécie humana. Mas, para o sistema, para a sociedade, para o cidadão mediano, são vistos e tratados até mesmo pior que os animais. E que assim precisam ser mantidos, porque merecem. Não poderia haver engano maior, pois essa é a roda viva que mantém em movimento, cada vez mais crescente, a criminalidade que atinge a todos, indiscriminadamente.

É preciso, sim, interromper esse ciclo perverso alimentado pela reincidência criminal. Melhor distribuição de renda para acabar com a miséria, foco maior do germe que corrói o ser humano e o leva à delinquência? Educação com qualidade, erradicando o analfabetismo e formando cidadãos? Inclusão através do esporte, da arte e da cultura? Fortalecimento da família, estruturando-a a partir do pleno emprego dos adultos, da casa própria, do acesso digno à saúde, alimentação e transporte? Sim, todos sabemos que essas são premissas básicas para a construção de uma nação, de uma sociedade próspera e segura. E segura significa não permitir que nenhuma parcela de um grupo social viva em condições de marginalidade, propensa ao crime, para que a outra parte, a dos cidadãos ditos "de bem e trabalhadores" não seja vítima da violência que os terá como alvo.

Infelizmente, enquanto o Brasil evolui no cenário internacional não mais como uma potência econômica emergente, mas já reconhecida como uma liderança ao menos continental, não podemos ainda nos ufanar de sermos uma sociedade que tece uma teia de relações sociais de primeiro mundo.

A questão da criminalidade continua a merecer um olhar enviesado por parte de todos os responsáveis: união, estados, municípios, Legislativo, Judiciário, empresários, a sociedade civil, os indivíduos, não em última, mas emprimeira instância. O político corrupto, que subtrai os recursos da educação, da saúde, das obras públicas, é tão ou mais nefasto que um mega traficante. Só que a lei é distinta para os poderosos ricos e os miseráveis pobres. Esses superlotam as imundas cadeias públicas, os presídios e penitenciárias. Muitos morrem de doenças que poderiam ser evitadas com um mínimo de higiene. O ócio corrompe a alma, a mente do indivíduo encarcerado, tornando-o compulsoriamente um aluno da "escola do crime" que a sua volta se forma. Sair com o "diploma de bandido" é reincidência certa. Milhares de casos que deveriam passar por uma revisão, ou cuja pena já foi integralmente cumprida, mofam nos cartórios dos tribunais. Faltam defensores. A pena serve, sim, como castigo e não como medida de ressocialização. Palavra nobre se fosse posta em prática, mas que somente faz parte da retórica inócua dos textos legais ou das teses acadêmicas.

Enquanto isso, o sistema penitenciário brasileiro segue como uma instituição medieval, onde não faltam os castigos físicos, a insalubridade, a masmorra de confinamento e o abandono. A questão do sistema penitenciário não pode ficar apenas nos discursos eleitoreiros, como os que já se ouvem novamente. Não adianta apenas construírem cada vez mais penitenciárias de segurança máxima. Essa política errada e insensível somente faz com que, por outro lado, também nos aprisionemos em casas, apartamentos e condomínios "de segurança máxima".

É preciso usar as terras que temos de sobra e criar penitenciárias-fazendas, onde o apenado possa "limpar" as mãos lavrando a terra e, irrigando-a com o seu suor, plantar para o autossustento da instituição e mesmo o sustento de sua família. Que os presídios localizados nas áreas urbanas sejam unidades fabris, onde o apenado possa dedicar seu tempo no aprendizado de uma profissão técnica e do quanto o trabalho dignifica, enobrece e satisfaz. O mesmo em relação aos delinquentes menores e jovens, sem educação, sem orientação, dominados pelas drogas e praticamente sem futuro algum.

Para que isso tudo mude, é preciso que cada um de nós também mude. Só assim mudaremos os políticos, escolhendo os mais honestos e capazes; as políticas sociais, cobrando e contribuindo para que sejam as melhores; as instituições, retirando-as da inércia e do atraso; e, por último, aqueles que um dia erraram e que pagaram pelo erro, para que sejam produtivos, respeitados e tratados como nosso semelhante para que não se tornem reincidentes. Que os Direitos Humanos e a Cidadania sejam uma realidade para todos.

Isabel Kugler Mendes, advogada, é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB/PR.

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