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De todos os grandes santos que o cristianismo teve em seus ilustres 2.000 anos de história, pouquíssimos mereceram o título de “O Grande”. Menos ainda foram tão influentes e insubstituíveis em suas contribuições para a integração da teologia, do cuidado pastoral e da responsabilidade social na vida da Igreja quanto São Basílio, o Grande, de Cesareia (330–379).
Embora Basílio seja renomado por sua erudição e por seus profundos tratados e homilias teológicas, seu legado indelével vai muito além do púlpito e das páginas. Basílio foi também um firme reformador social.
Num mundo em que a ingerência do governo sobre a Igreja persiste e em que muitos veem o Estado como a solução benevolente para todos os males da sociedade, a visão duradoura de São Basílio — de uma Igreja não curvada ao poder estatal e animada pelo chamado ao serviço — inspira os cristãos a manterem sua fé.
Ela também nos lembra do poder da caridade privada e da filantropia, enraizadas em uma sociedade civil florescente e em instituições sociais, como veículos eficazes para promover a dignidade humana.
São Basílio nasceu em uma família cristã rica e prestigiosa na Capadócia, oriunda de uma linhagem que incluía mais de uma dúzia de santos canonizados. Basílio recebeu uma das melhores formações do mundo antigo, estudando em Cesareia, Constantinopla e Atenas, até que uma conversão espiritual radical o levou a renunciar à carreira acadêmica, abraçar uma vida ascética e visitar mosteiros pelos desertos do Egito, da Síria e da Palestina.
Inspirando-se no “monasticismo urbano” de Eustáquio de Sebaste — monges vivendo nas cidades para ajudar os pobres —, Basílio compreendeu desde cedo a natureza social da pessoa humana e acreditava que a santidade era melhor vivida a serviço da sociedade, em vez de em isolamento, como faziam muitos eremitas de sua época.
Ainda assim, fundou seus próprios mosteiros, lançando as bases para a vida religiosa cristã, enraizada na vida comunitária, na oração, no trabalho e nos atos de misericórdia — inspirando regras monásticas por todo o império, incluindo a de São Bento.
Enquanto se esforçava para atender às necessidades materiais dos pobres em sua província, Basílio também teve que lidar com uma relação cada vez mais hostil com as autoridades seculares.
Por volta de 370, foi eleito bispo de Cesareia, no auge da crise ariana — um dos períodos mais turbulentos da história da Igreja. Quando os poderes seculares tentaram dobrar os ensinamentos da Igreja a seus interesses políticos, Basílio foi um dos poucos bispos ortodoxos com coragem para resistir.
Sua firme oposição ao arianismo o colocou em confronto direto com algumas das figuras mais poderosas do Império Romano, inclusive com o próprio imperador Valente.
Valente passou por Cesareia em 371 e enviou seu prefeito Modesto, o eparca do Oriente, para pressionar Basílio com ameaças de confisco, exílio, tortura e até execução. Basílio recusou-se com ousadia a retratar sua condenação ao arianismo, afirmando que nenhum poder terreno, nem mesmo o imperador, é “mais digno de honra do que Deus”.
Ainda que devamos dar a César o que é de César, a autoridade de César termina onde começa a consciência ligada a Deus. Quando Modesto expressou espanto, dizendo que ninguém jamais lhe havia falado com tamanha ousadia, Basílio respondeu: “Talvez seja porque você nunca falou com um bispo antes.”
Valente, embora irritado com a postura de Basílio, ainda assim o respeitou por sua coragem e até lhe concedeu um terreno nos arredores de Cesareia, após assistir à sua liturgia.
A fome e a peste estavam causando estragos devastadores na Capadócia, e Basílio reconheceu a necessidade de uma abordagem mais sistemática para administrar a ajuda e atender à demanda por serviços.
Inspirado pela mensagem do evangelho de servir aos “menores destes” e utilizando o terreno concedido por Valente, em 369 Basílio conclamou corajosamente a nobreza da Capadócia a doar suas riquezas para apoiar seu projeto social mais ambicioso: o que viria a ser conhecido como Basilíada — e que hoje reconheceríamos como o primeiro hospital do mundo. Era algo sem precedentes no mundo antigo.
A Basilíada aplicava uma compreensão holística da cura — não apenas tratando o corpo, mas também curando a alma, educando a mente e lembrando aos abatidos o seu valor, que o sofrimento e a pobreza tantas vezes tiram.
Em muitos aspectos, foi a culminação do ensinamento social de Basílio: de que cada pessoa, sendo feita à imagem de Deus, possui um valor inestimável
Embora boticários e instituições de saúde já existissem na época, a nova “cidade fora da cidade” de Basílio — como a descreveu seu amigo e colega bispo São Gregório Nazianzeno — foi a primeira construída com a intenção explícita de cuidar dos pobres.
Em poucos anos, o extraordinário complexo de Basílio transformou-se em hospital para os doentes, refúgio para viajantes cansados, lar para órfãos e escola profissionalizante para os que buscavam aprender ofícios necessários à vida.
Sem precedentes mesmo para os padrões cristãos, Basílio também estabeleceu uma área dedicada aos leprosos — as pessoas mais infelizes da sociedade à época, que viviam em agonia e resignadas a uma morte dolorosa. Ele mesmo enfaixava, lavava, abraçava e passava tempo com esses pacientes.
Os esforços de Basílio desencadearam uma grande revolução social que desafiou a hipocrisia, a corrupção e o egoísmo desenfreado da Cesareia do século IV, tornando-se um modelo para a prestação de cuidados de saúde no mundo moderno. Além das iniciativas de caridade, a Basilíada levou os cristãos a redefinir sua compreensão da responsabilidade para com os vulneráveis.
Numa época em que muitos cristãos viam a cura e a medicina como práticas pagãs gregas, a obra de São Basílio mostrou que a medicina era uma arte — e também um modelo de cura das almas —, concedida por Deus como lembrança de que toda cura, em última análise, vem dEle.
Talvez o mais importante seja que o projeto ambicioso de Basílio não foi imposto por decreto imperial. Embora tenha sido construído em terreno dado pelo imperador, a Basilíada foi uma iniciativa privada, financiada, edificada e mantida pela Igreja e pela comunidade local.
Foi a prova de que um espírito empreendedor e uma sociedade civil forte podem ser ferramentas poderosas para promover o bem comum sem depender de soluções estatais de cima para baixo.
Sofrendo de doenças crônicas durante grande parte da vida, Basílio faleceu com apenas 49 anos. Durante seu funeral, Gregório falou longamente sobre as inúmeras contribuições de Basílio à Igreja, louvando sua nobreza diante da perseguição e seu apoio inabalável aos pobres.
Basílio iniciou uma nova tendência em sua breve vida. Nos anos que se seguiram à sua morte, mais hospitais espalharam-se por todo o Império Romano, tornando-se comuns em menos de um século.
Embora a Basilíada não exista mais, seu legado permanece vivo em cada hospital, orfanato e abrigo inspirados pela missão da Igreja de cuidar dos vulneráveis.
Mesmo que a ajuda mútua, as sociedades fraternais e as iniciativas privadas tenham sido ofuscadas por soluções governamentais impessoais e centralizadas diante do problema sempre persistente da pobreza, a Basilíada permanece como um exemplo duradouro de igrejas, comunidades e indivíduos unidos em serviço, promovendo a dignidade inviolável de cada pessoa humana feita à imagem de Deus — uma dignidade que nenhum poder terreno pode usurpar.
Gloriosíssimo e santo hierarca de Cristo, São Basílio, rogai por nós!
Tyler Turman é bolsista do Programa de Líderes Emergentes do Instituto Acton para o Estudo da Religião e da Liberdade e parceiro do Programa de Estágio Koch da Stand Together. Formou-se em ciência política e economia pela Universidade de Washington.
©2025 Acton Institute. Publicado com permissão. Original em inglês: Voluntary Virtue: How St. Basil Built the World’s First Hospital



