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Crianças precisam de políticas que contemplem sua proteção integral
| Foto: Oleksandr Pidvalnyi/Pixabay

Proteger de forma integral é garantir à criança e ao adolescente, mesmo antes de nascer e com absoluta prioridade, os direitos fundamentais à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Proteger de forma integral coloca-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, como dispõe o art. 227 da Constituição Federal de 1988.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, traz em seu bojo os direitos, os procedimentos e as políticas públicas como instrumentos para garantir a proteção integral (o ECA classifica como criança toda pessoa com idade até 12 anos incompletos e como adolescente toda pessoa dos 12 até os 18 anos incompletos). A proteção integral vai muito além de romper com a Doutrina da Situação Irregular (implementada no primeiro Código de Menores em 1927 e mantida pelo segundo Código de Menores em 1979) apenas no seu aspecto formal. Demanda mudança de comportamento de cada pessoa, de cada entidade familiar, de toda a sociedade e de todos os poderes que representam o Estado, Legislativo, Executivo e Judiciário, demanda conhecimento, entendimento e aplicação da nova sistemática de forma aprofundada.

Proteger de forma integral é garantir à criança e ao adolescente, mesmo antes de nascer e com absoluta prioridade, os direitos fundamentais.

Por ser um dever da família, da sociedade e do Estado, a efetividade dessa proteção integral requer um esforço conjunto de todos esses atores, a contar com a escolha das políticas públicas a serem implementadas.

Como as políticas públicas necessitam de recursos financeiros que, sabe-se, são escassos e dependem de um planejamento que se inicia com o orçamento público, direcionar recursos para as políticas voltadas às crianças e aos adolescentes significa ter menos recursos para outras áreas de interesse da população.

De forma geral, as pessoas querem ver seus próprios interesses sendo atendidos em primeiro lugar. Assim, se prefeito e vereadores destinassem menos recursos para obras públicas – como a produção de asfalto, por exemplo – e investissem mais na implementação de políticas ostensivas de proteção à criança, certamente perderiam votos. Isso culminaria com a falta de vontade política, posto que não traz votos.

Uma solução seria destinar um percentual dos recursos exclusivamente para políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes. Pois não bastam os 25% para a educação e os 15% para a saúde que já são previstos (uma vez que esses percentuais devem dar conta de políticas públicas para adultos também, além de custear as despesas de pessoal dessas áreas na Administração Pública).

Apesar disso, a partir da instituição da proteção integral pelo ECA, observam-se muitas mudanças, tais como: as crianças abandonadas não são tratadas como se estivessem em conflito com a lei, pelo contrário, são acolhidas e cuidadas; foram criadas políticas públicas voltadas à saúde das gestantes para que as crianças possam nascer saudáveis; a sociedade está consciente de que os castigos físicos não são direitos dos pais, e sim violência contra a criança e devem ser denunciados. Além disso, as crianças sabem da existência do Conselho Tutelar, órgão que fiscaliza a aplicação do ECA.

É mister destacar que quando a lei dispõe sobre o direito à vida não se restringe ao direito de a pessoa estar viva, mas também ao direito de viver com dignidade; quando trata de garantir o direito à saúde se refere não somente à saúde física, mas também à mental e psicológica. Ao abordar o direito à educação, não significa apenas ter disponível uma vaga na escola, mas ter acesso a um ensino de qualidade; quando trata do direito à liberdade, refere-se não somente à liberdade de ir e vir, mas à liberdade de pensamento e expressão e de pertencer. Por fim, quando trata da profissionalização se refere a vincular os conteúdos aprendidos com a prática, buscando inseri-los no mercado de trabalho, além de coibir o trabalho infantil e quaisquer formas de exploração.

Quando a legislação preconiza o dever de mantê-los a salvo de discriminação, negligência, exploração e violência, crueldade e opressão, vai além dos cuidados com sua alimentação e higiene, além da coibição de castigos físicos. Significa o dever de não os incluir nas divergências entre seus pais quando do rompimento do vínculo conjugal. Significa protegê-los das armadilhas das redes sociais e das imposições feitas por elas quanto ao padrão de beleza e da necessidade de consumo. Em síntese, a proteção integral significa atender prioritariamente ao melhor interesse da criança e do adolescente.

A caminhada foi longa até chegar às garantias legislativas de proteção integral. Mas para efetivar o previsto na lei, o próprio ECA apresenta procedimentos a serem implementados e as políticas públicas necessárias, além de determinar os atores responsáveis pela implementação: a família, a sociedade e o Estado.

Vislumbra-se que a proteção integral vai muito além de romper com a Doutrina da Situação Irregular apenas no seu aspecto formal, demanda mudança de comportamento de cada pessoa, de cada entidade familiar, de toda a sociedade e de todos os poderes que representam o Estado ‒ Legislativo, Executivo e Judiciário ‒, demanda conhecimento, entendimento e aplicação da nova sistemática de forma aprofundada. A caminhada rumo à efetivação da proteção integral da criança e do adolescente exige mudanças comportamentais que dependem da vontade de cada membro da família, de cada integrante da sociedade e de vontade política dos membros de cada poder que representa o Estado. Por fim, depende da força, da determinação e do foco de todos para que não haja a ressuscitação da vontade de punir e excluir inerente à Doutrina da Situação Irregular, outrora morta pela Doutrina da Proteção Integral.

A legislação chegou ao objetivo final, que é o de garantir a proteção integral da criança e do adolescente. A efetiva aplicação dessa legislação garantidora ainda não alcançou seu ponto de chegada, que é a efetiva implementação do disposto na lei, considerada como uma das mais completas do mundo.

Elizabeth Bezerra Lopes Murakami é professora de Direito da Criança e do Adolescente, Direito de Família e Sucessões na FAE Centro Universitário.

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