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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

O leitor concorda com a decisão do STF que autoriza o início de execução da pena após decisão de segunda instância? Deixando de lado resultados práticos, partidos ou ideologias, o que realmente importa é o debate teórico-constitucional. O que estamos discutindo é a possibilidade de o STF interpretar a Constituição e os textos legais ampliando as hipóteses de restrição a direitos fundamentais para além daquelas enunciadas pelo legislador.

Este debate data de 2005, na questão sobre o nepotismo, quando o STF declarou a constitucionalidade de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça fundando-se no princípio republicano, na moralidade e na impessoalidade, mas ignorando o inciso I do artigo 37, que é muito claro ao estabelecer que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”. Inverteu-se a lógica hierárquico-normativa de nosso ordenamento: fez-se prevalecer um ato normativo de um órgão administrativo, o CNJ, em detrimento da Constituição.

Os juízes não representam o povo, mas a ordem constitucional

Naquele momento, afirmei que um dia o principiologismo pragmático, baseado na correção moral, chegaria ao Direito Penal. E foi assim quando, em 2016, o STF decidiu que estava autorizado o início da execução penal após a decisão em segundo grau de jurisdição. Atualmente, em meio aos inúmeros habeas corpus em debate, surgem na pauta as ADCs 43 e 44, que pretendem rediscutir a decisão de 2016, afirmando que a corte agiu em claro deficit de legitimidade democrático-constitucional, pois seria impossível impor uma restrição ao direito daquele que foi condenado e só poderia ser preso após o trânsito em julgado, conforme expressamente previsto no artigo 283 do Código de Processo Penal.

As possibilidades de decisão nos habeas corpus são somente duas: a aplicação do precedente do STF, mantendo a possibilidade de prisão em segundo grau, o que atenta contra o princípio da legalidade insculpido no art. 5.º, II, e seu conteúdo expresso no artigo 283 do CPP; ou, o que nos parece adequado e possível, a declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 283 do CPP encaminhando mensagem ao legislador para que edite ato normativo adequado, já que não é missão do STF atuar como legislador positivo: mesmo entendendo pela inconstitucionalidade do referido artigo, deveriam conceder os habeas corpus para determinar soltura dos pacientes.

O atual posicionamento do STF deve ser mantido: O Supremo contra Dadá Maravilha (artigo de Antonio Kozikoski, professor da PUC-PR)

O STF, guardião do texto constitucional, quando cede ao clamor popular, deixa de cumprir seu ofício de vigilância, pois são os poderes Executivo e Legislativo que podem ceder, dentro dos limites constitucionais, à influência direta da população, pois seus membros são representantes do povo. Os juízes não representam o povo, mas a ordem constitucional; devem julgar dentro dos limites constitucionais e legais, promovendo correções normativas, sim, mas respeitando os limites para sua atuação. Caso contrário, em busca de justiça, corre-se o risco de esvaziar o Estado de Direito e tornar ineficaz o procedimento democrático.

O sistema processual penal brasileiro está equivocado no que se refere ao momento da execução da pena. Defendo uma verdadeira reforma processual penal, uma vez que apenas a minoria dos acusados tem condições para recorrer às cortes superiores e, consequentemente, a prisão em segundo grau afeta somente a estes. Mas o STF não tem competência para operar interpretação restritiva de direitos, pois este papel foi conferido ao legislador. O fato aqui vai muito além das figuras afetadas: é a defesa do constitucionalismo democrático que está em jogo!

Flávio Pansieri, advogado com pós-doutorado em Direito, é presidente do Conselho Fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), conselheiro federal da OAB e professor adjunto da PUCPR.
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