• Carregando...

Se você perguntar a quem tem carro se é favorável à redução de velocidade para 40 km/h na região central de Curitiba, a resposta, talvez de uma maioria, será um sonoro “não” porque só iria atravancar mais o trânsito que já está complicado. Contudo, se você fizer a mesma pergunta ao mesmo motorista, mas que tenha tido um parente próximo morto numa colisão de trânsito em que o excesso de velocidade tenha sido apontado como a principal causa, aí a resposta talvez fique assim: “até que enfim vão tentar acalmar este trânsito maluco e irresponsável”. Assim somos nós, quando decidimos mais pela emoção que pela razão.

Não há dúvidas de que Curitiba acerta em limitar a velocidade a 40 km/h. Aliás, o faz tardiamente, pois o Primeiro Mundo já descobriu isso há bom tempo. A própria Curitiba sente os benefícios da inovação já desde a metade dos anos 70, quando criou a primeira rua de pedestres no Brasil.

Como naquela oportunidade, também agora a prefeitura enfrentará reações, eventualmente iradas por contrariar interesses. Por isso precisará de um arsenal apreciável de argumentos para defesa de sua opção – o que na verdade não será tão difícil, pois as experiências de centenas de cidades ao redor do mundo oferecem uma abundância de subsídios, mostrando a eficácia da medida. Cabem, contudo, algumas observações em relação ao que já se sabe sobre a ampliação da Área Calma.

No artigo que escreveu nesta Gazeta do Povo no último domingo, 20 de setembro, o prefeito de Curitiba mostrou que a cidade, com esta ação, se alinha a grandes metrópoles mundiais (algumas nem tanto) no que diz respeito ao enfrentamento da questão da velocidade, uma das principais causas – se não a principal – de fatalidades no trânsito. No texto, Gustavo Fruet disse o básico, mas não o suficiente.

Uma ação dessa envergadura deve ser respaldada pela sociedade para que possa efetivamente ganhar foros de legitimidade

Já o comunicado de imprensa da Secretaria de Trânsito mostra as razões das medidas, detalha as ações que parecem ser suficientes para convencer principalmente quem não é motorista. Entre outros pontos, a Setran explica que uma pesquisa feita por ela mesma revelou que mais de 40% dos motoristas de Curitiba não respeitam os limites de velocidade, dado suficiente para justificar uma ação mais enérgica de fiscalização e de enquadramento.

Tanto no artigo do prefeito como no comunicado da Setran faltou informar se a sociedade foi ouvida e o que opinou. Uma ação dessa envergadura, afetando grande parte da população da cidade (cerca de 700 mil pessoas circulam diariamente na região afetada, na maioria usuários das 200 linhas de ônibus que passam na área, segundo a Setran), deve ser respaldada pela sociedade para que possa efetivamente ganhar foros de legitimidade.

Tenho convicção de que a população apoiará a medida, pois há consenso de que não podemos conviver com o insustentável aumento da frota, congestionando os centros urbanos e provocando danos enormes à economia, à saúde e ao bem-estar da sociedade. Para que ganhe o aval da comunidade, a prefeitura, no entanto, terá de realizar um grande esforço de comunicação, com informações detalhadas dos benefícios que a inovação trará. Temos de lembrar que segurança no trânsito não é um tema que a população digere com facilidade e isso torna a tarefa ainda mais importante.

Há de se explicar que a redução das mortes e de acidentes não é o único benefício da Área Calma, embora seja de grande impacto. Com melhor sincronização semafórica, a velocidade média acabará sendo beneficiada e o índice de poluição atmosférica diminuirá, só para ficar em alguns argumentos. A sociedade deve ter noção clara da importância de reduzir a velocidade, especialmente nas áreas de grande densidade de pedestres, os mais vulneráveis em toda a cadeia do trânsito.

Imagine um carro a 40 km/h e outro a 50 km/h. Os dois motoristas avistam um pedestre 27 metros à frente e freiam. O motorista que está a 40 km/h vai parar 26 metros à frente e, assim, evitará o atropelamento. Já o motorista que está a 50 km/h, para impedir o choque, precisaria de mais nove metros e, assim, não o evitará. Passar esse tipo de informação exige esforço e criatividade do governo. Felizmente hoje os meios de comunicação são mais sensíveis a problemas dessa ordem e o uso das mídias sociais pode fazer a grande diferença. A opinião da sociedade, contudo, é vital e se tornará peça importante na implantação do sistema.

No meu livro Cultura de segurança no trânsito – casos brasileiros, publicado em 2013, dedico várias páginas ao projeto “Cidadão em Trânsito”, de Curitiba, que considero um dos melhores casos municipais de como ter a sociedade ao lado da prefeitura para combater um problema que é de todos – na época, os problemas eram as filas duplas e triplas na frente das escolas, o fechamento dos cruzamentos de ruas apesar dos yellow boxes e o desrespeito ao sinal vermelho. Eficientes ações de campo e uma brilhante campanha de comunicação integrada nos veículos de massa reduziram significativamente o número de infrações.

O segredo? Coerção social. Paulo Vítola, então diretor de criação da Opus Múltipla, a agência que concebeu e desenvolveu a campanha, explica que “do ponto de vista comportamental, a coerção social é uma arma poderosa para levar as pessoas a fazerem ou deixarem de fazer alguma coisa. Todos procuram evitar comportamentos que possam despertar censura pública”. Foi esse o raciocínio que embasou a criação das peças usadas na campanha, depois de estudos e pesquisas sobre como a sociedade aceitaria a mensagem. Apresentados com bom humor, em peças de grande impacto (a perua, a anta, o rato, lembra?), os personagens levaram as infrações de trânsito à categoria de situação vexatória, pela qual nenhum cidadão de bom senso gostaria de passar. E, assim, uma efetiva mudança de comportamento começou a acontecer nas ruas de Curitiba. Hoje Vítola é o secretário de Comunicação Social da prefeitura.

Sabemos que qualquer grande programa que mexa com a sociedade deve ser ancorado em dois pilares básicos: a ação de campo e a comunicação. A ação mostra na prática o caminho, mas é a comunicação que ajudará as pessoas a entender e se convencer de que aquilo é bom para elas e para todos.

A adoção do limite de velocidade a 40 km/h é passo importante e decisivo para que Curitiba recupere o passo perdido ao longo das últimas décadas – refiro-me à liderança nas inovações urbanas que marcaram nossa capital. A cidade não pode se dar ao luxo de errar agora, na concretização desse avanço indispensável. A sociedade precisa ser informada, convencida do alcance das medidas, entendendo que elas não se restringem a salvar vidas ou melhorar o bem-estar das famílias de hoje, mas ao futuro da cidade. O prefeito Fruet tem a grande chance de mostrar em que classe de líderes pretende ficar: se na dos políticos que só pensam nas próximas eleições ou na dos verdadeiros líderes que se preocupam com as próximas gerações.

J. Pedro Corrêa, jornalista e relações-públicas, é consultor em programas de trânsito.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]