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Recentemente, o governo federal publicou o Decreto 12.686/2025, que impacta diretamente a educação inclusiva no Brasil. Como professor e pesquisador especialista em autismo, sinto-me na obrigação de alertar sobre as consequências desse decreto, que considero injusto e autoritário.
O decreto tem como objetivo, pelo menos no papel, garantir o direito à educação em um sistema educacional inclusivo para estudantes com deficiência, com transtorno do espectro autista e com altas habilidades ou superdotação, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades.
Ao publicar um decreto que contraria uma lei vigente, o Executivo ultrapassa seus limites constitucionais, desrespeitando tanto a sociedade quanto o Parlamento. Essa medida, portanto, não é apenas um retrocesso na política de inclusão, mas um ato autoritário
Essa medida, porém, parte da ideia de que todos os estudantes com deficiência devem, obrigatoriamente, estudar em escolas comuns, sem considerar as evidências científicas e as necessidades reais de cada aluno. Isso restringe ou inviabiliza o funcionamento de escolas e classes especializadas, o que pode prejudicar profundamente os estudantes com deficiências mais severas, como autistas de nível 3 e pessoas com deficiência intelectual grave ou múltipla.
Ela penaliza, sobretudo, famílias de baixa renda. Para aqueles com melhores condições financeiras, é possível contornar algumas dificuldades, mas, para milhares de famílias pobres, os efeitos são devastadores. O que mais preocupa é a forma como o decreto foi implementado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) já dispõe sobre as escolas especializadas, e qualquer alteração que desconsidere essa legislação deveria passar pelo Legislativo.
Ao publicar um decreto que contraria uma lei vigente, o Executivo ultrapassa seus limites constitucionais, desrespeitando tanto a sociedade quanto o Parlamento. Essa medida, portanto, não é apenas um retrocesso na política de inclusão, mas um ato autoritário que ignora a participação da comunidade educativa.
Não se trata de política partidária, direita ou esquerda – trata-se de direitos humanos e do compromisso com a educação inclusiva. A comunidade autista é extensa, presente em todos os estados, e merece uma voz ativa no processo de tomada de decisões. Pais, professores e especialistas precisam ser ouvidos, e os parlamentares devem assumir a responsabilidade de apoiar essa causa. Precisamos unir forças para garantir que todos, independentemente de suas condições financeiras ou grau de comprometimento, tenham acesso a uma educação de qualidade e inclusiva.
É fundamental promover a conscientização social, estimular a atuação responsável dos representantes eleitos e fortalecer o papel do Legislativo na formulação de políticas que assegurem a efetividade dos direitos da comunidade autista. A educação inclusiva não pode ser tratada como prioridade secundária ou sujeita a decisões autoritárias – ela é um direito de todos.
Lucelmo Lacerda é doutor em Educação e autor do livro “Crítica à pseudociência em educação especial”.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



