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Os efeitos da desproporção entre primeira e segunda instâncias punem duramente os cidadãos, refletindo na lentidão dos processos

Com a Constituição de 1988, a Justiça Federal assumiu papel fundamental na efetivação e garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. De um segmento do Judiciário que, basicamente, processava litígios envolvendo servidores federais, contratos administrativos e a cobrança de tributos devidos à União e ao INSS, passou a atender demandas de grande significado social, nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, previdência, proteção do patrimônio público, proteção dos hipossuficientes, combate ao crime organizado, entre outras.

E, nesse período de mais de vinte anos, também se verificou sua interiorização: o que, antes, era um Judiciário fisicamente concentrado apenas nas capitais dos estados capilarizou-se em centenas de cidades de médio porte, aproximando a prestação jurisdicional do cidadão, especialmente do mais humilde e carente de meios para acompanhar à distância o andamento de processos judiciais de seu interesse. Esse processo de interiorização não está concluído, devendo intensificar-se ainda mais com a recente criação de mais 230 varas federais.

Numa palavra, a Justiça Federal universalizou-se, o que, naturalmente, se refletiu na ampliação de seus meios, quadros e estruturas institucionais. Na primeira instância, as varas federais multiplicaram-se, desde 1989, quase por 4: de 192, naquele ano, chegaram a 703, em 2009, e, com a instalação progressiva das novas varas, atingirão 933 em 2014. Correspondentemente, eram 277 juízes federais em 1989; tornaram-se 1.486 em 2009; serão 1.946 em 2014.

Porém o mesmo não sucedeu no segundo grau, constituído pelos Tribunais Regionais Federais: eram cinco em 1989, ano em que foram instalados; continuam sendo cinco em 2010, apenas com um pequeno aumento no número de desembargadores: de 74, em 1989, para 139, em 2009. Ou seja, enquanto a base alargou-se e aproximou-se do cidadão, o estágio seguinte permaneceu imóvel e distante, apesar dos contínuos esforços para ampliação de seu número. Daí a crescente desproporção entre o número de juízes de 1.º grau e os de 2.º. Hoje, para cada desembargador federal, há 11 juízes federais; em 2014 serão 14 por 1.

Além disso, nesses 20 anos, houve um aumento exponencial no número de processos que chegaram aos Tribunais Federais, especialmente aos da 1.ª e 4.ª Regiões: para se ter apenas uma ideia, em 1989, foram distribuídos 12.516 recursos ao TRF-4, com jurisdição sobre Rio Grande do Sul (onde fica a sede), Paraná e Santa Catarina; já em 2008, o número elevou-se para 101.446; para o Tribunal da 1.ª Região (com sede em Brasília e jurisdição sobre 2/3 do território brasileiro), os números são, respectivamente, 18.437 e 119.307. E são justamente esses dois tribunais os que serão aliviados pela criação dos novos. Na forma prevista pela PEC 544/02, a carga de trabalho do TRF-4 será dividida com o TRF-6 (do Paraná); e a do TRF-1 com os TRFs 7 (Minas Gerais), 8 (Bahia) e 9 (Amazonas).

Os efeitos dessa desproporção punem duramente os cidadãos, refletindo na lentidão dos processos. Em primeira instância, onde são praticados muitíssimos mais atos processuais, especialmente os de caráter instrutório, os processos têm fluído; já em segunda, onde, regra geral, os recursos chegam prontos para ser julgados, o que, em termos de simples trâmite processual, justificaria maior rapidez, ocorre o seu represamento. É como se uma autopista com seis faixas fosse subitamente reduzida para pista simples: o engarrafamento é inevitável. Assim, exemplificando, um aposentado vê seu processo ser julgado em um ano no primeiro grau, mas tem que aguardar cinco ou mais para ver seu direito confirmado pelo Tribunal.

Por outro lado, é importante a descentralização dos órgãos de julgamento, linha na qual a Justiça Federal de primeiro grau já avançou bastante e avançará muito mais nos próximos anos. Assim, não bastaria aumentar o número de juízes nos tribunais existentes, hipertrofiando suas estruturas, como pretendem alguns. Trata-se, sim, de facilitar o acesso direto da população, especialmente da mais carente, ao Judiciário, e, para isso, os tribunais que existem não se revelam bastantes. A proximidade física entre o jurisdicionado e o órgão judiciário é fator dos mais relevantes na democratização do acesso à Justiça: os maiores prejudicados pela distância não são as empresas ou a classe alta, mas as pessoas de rendimentos mais modestos, as mais necessitadas, que recorrem à assistência judiciária gratuita, para as quais, infelizmente, a Justiça ainda é um grande mistério, que suscita antes desconfiança do que segurança. Ora, o número exíguo de Tribunais Federais, distribuídos num país continental, cria distâncias, entre cidadãos e órgãos judiciários. Vencer essas distâncias, para ter contato pessoal com um desembargador, assistir a uma sessão de Tribunal, realizar uma sustentação oral, é coisa que poucos, muito poucos, se podem permitir. Uma empresa pode arcar com as despesas de deslocamento de um advogado, mas e um trabalhador, um desempregado, um aposentado, uma viúva, um beneficiário da assistência judiciária gratuita, um hipossuficiente?

Tudo isso justifica a necessidade de criação de novos Tribunais Regionais Federais, prevista na Proposta de Emenda Constitucional 544/02. Essa PEC cria os Tribunais Regionais Federais da 6.ª, 7.ª, 8.ª e 9.ª Regiões. Ela já passou pelo Senado e está pronta para votação no Plenário da Câmara. Para aprová-la, basta agora um esforço concentrado da sociedade civil e da classe política. Por isso mesmo, a OAB-PR e a Associação Paranaense de Juízes Federais – APAJUFE, com apoio de muitas outras entidades, irmanaram-se nessa luta e convocam todos para o grande ato público de apoio aos novos tribunais que será realizado neste dia 12 de abril, às 14 h, na sede da OAB.

Anderson Furlan, presidente da APAJUFE, e José Lúcio Glomb, presidente da OAB-PR

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