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Os novos desafios para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital

(Foto: Daria Nepriakhina/Unsplash)

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Puberdade precoce, isolamento social, bullying, ansiedade, vícios em jogos e redes sociais são alguns exemplos dos males da exposição desassistida no ambiente digital durante a infância e adolescência, capazes de comprometer o desenvolvimento psíquico, emocional e social de crianças e adolescentes. Ainda mais preocupante é a situação em que os próprios pais ou responsáveis expõem os filhos menores de idade nas redes sociais exclusivamente para fins de monetização, como é o caso dos pais que permitiram que seus filhos residissem na mansão do influenciador Hytalo Santos, o qual expunha os menores em vídeos sensuais nas redes sociais para, em contrapartida, receberem “mesadas” mensais.

Nessa busca incansável por visibilidade, fama e ganhos financeiros, a linha entre proteção e exploração de menores se torna tênue, abrindo espaço para descontrole, comportamentos de risco, situações envolvendo pedofilia, traumas e a facilitação da atuação de terceiros com intenções abusivas ou criminosas. O debate sobre a “adultização” – transformado em pauta nacional em razão de recentes escândalos – trouxe visibilidade a um tema presente em muitos lares brasileiros e, como consequência, impulsionou a aprovação da Lei nº 15.211/2025, que instituiu o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital).

O ECA Digital reforça o dever de supervisão parental, impondo aos pais a obrigação de acompanhar, de forma contínua e ativa, o uso das ferramentas digitais pelos menores

Em verdade, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) já previa o tratamento dos dados de crianças e adolescentes no artigo 14, impondo às empresas e plataformas digitais o dever de adotar medidas específicas para garantir o melhor interesse dos menores. Com a promulgação do ECA Digital, essa proteção foi ampliada e integrada ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A nova lei visa proteger crianças e adolescentes ao combater o acesso a conteúdos impróprios, a exposição excessiva e o uso compulsivo das redes sociais. Para isso, estabelece regras claras e responsabiliza plataformas digitais, big techs e, principalmente, os pais e responsáveis legais. É natural que crianças e adolescentes, em fase de formação, não tenham plena consciência ou maturidade quanto aos riscos associados ao comportamento digital. Diante disso, o ECA Digital reforça o dever de supervisão parental, impondo aos pais a obrigação de acompanhar, de forma contínua e ativa, o uso das ferramentas digitais pelos menores.

As plataformas, por sua vez, deverão oferecer mecanismos de supervisão parental que permitam limitar e monitorar o tempo de uso, restringir compras e fornecer orientações claras sobre o uso seguro dos ambientes digitais. Outra novidade importante é a exigência de que crianças e adolescentes com menos de 16 anos estejam vinculados a um representante legal por meio de um sistema de verificação seguro, coibindo a burla frequente nos procedimentos de autodeclaração de idade. Se existirem indícios consistentes de fraude etária, as plataformas poderão suspender o acesso do usuário.

A lei também confere papel central à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que foi transformada em agência reguladora e designada como autoridade administrativa autônoma prevista no ECA Digital. Caberá à ANPD expedir regulamentos, avaliar os mecanismos de segurança adotados pelas empresas de tecnologia e zelar pela efetiva proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital.

Além disso, as empresas – mesmo sediadas no exterior – devem garantir ambientes digitais seguros, prevenindo e mitigando riscos relacionados à exposição a conteúdo impróprio e ao uso desmedido por crianças e adolescentes. Observa-se, inclusive, que as diretrizes do ECA Digital e da LGPD possuem aplicação extraterritorial, alcançando empresas estrangeiras que ofereçam bens ou serviços ao público brasileiro ou realizem tratamento de dados de pessoas localizadas no Brasil.

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O descumprimento dessas obrigações por empresas e plataformas digitais poderá ensejar sanções administrativas aplicadas pela ANPD, variando desde advertências com prazo de adequação de até 30 dias até multas, suspensão temporária das atividades ou, em casos graves, proibição de exercício. Os valores decorrentes das multas serão destinados ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente e utilizados em políticas e projetos voltados à proteção de menores. Para definição e gradação das sanções, deverão ser observadas a proporcionalidade, a razoabilidade, a gravidade da infração, a reincidência, a finalidade social do fornecedor e o impacto sobre a coletividade.

A lei prevê prazo de seis meses para entrada em vigor, período no qual plataformas, famílias e instituições educacionais deverão ajustar práticas e políticas ao novo regime normativo. Caso haja descumprimento após esse prazo, poderão ser aplicadas sanções administrativas pela ANPD, incluindo advertência com prazo de correção em até 30 dias, multas, suspensão temporária das atividades ou, em casos graves, proibição do exercício relacionado ao serviço.

A evolução legislativa representada pelo ECA Digital reflete não apenas a necessidade de regramento das plataformas digitais, mas sobretudo a necessidade de conscientização social das famílias quanto ao acompanhamento da vida digital dos filhos. Leis e mecanismos de supervisão só serão eficazes se houver participação ativa dos pais, que precisam se atualizar para compreender o funcionamento e os riscos do mundo digital em caráter de cuidado e proteção.

Nesse contexto, as plataformas deverão se adequar à LGPD, que estabelece regras gerais de proteção de dados pessoais, e ao ECA Digital, que regula especificamente a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. Essas normas se complementam ao exigir políticas de privacidade claras, sistemas robustos de verificação de idade, mecanismos de controle de acesso e monitoramento do uso, além de medidas técnicas e administrativas capazes de prevenir exposição indevida e uso excessivo por menores de idade.

Laura Santoianni Lyra Pinto, advogada especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório, Direito de Família e Sucessões; Giulia Pereira Donadio é advogada especialista em Direito Civil e Empresarial. Ambas são do Briganti Advogados.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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