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Imagem ilustrativa.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/EFE

George Orwell já alertava sobre isso no espetacular 1984, quando ele retratou o Ministério da Verdade, o duplipensar e a novilíngua. O ministério da Verdade escolhia o que era verdade, de acordo com os interesses temporais do governo, que podiam mudar a qualquer momento. O duplipensar era um subtipo de lavagem cerebral na qual fazia com que os cidadãos aceitassem duas ideias contraditórias em suas mentes como se fosse verdade, obviamente valia para alguns momentos e não para outros, ou pessoas. E a novilíngua alterava o sentido das palavras para a conveniência do governo.

O livro 1984 é uma crítica direta ao regime soviético, e essas práticas se espalharam pelos regimes comunistas e hoje foram adotadas pelos socialistas tanto em ditaduras como nas democracias. Ótimos exemplos são as narrativas do que é fake news, dos conceitos de democracia (palavra adotada até como nome oficial de ditaduras, como República Popular Democrática da Coréia), conceito de fascismo (que se tornou um mero xingamento), palavras como “esclarecer” entre tantas outras, consideradas por alguns malucos como racistas, ainda que sua origem nada tenha a ver com raça. Essa estratégia está sendo aplicada assiduamente pela esquerda no ocidente nos últimos 20 anos e vemos mais acirrada agora no Brasil.

Igualar manifestantes, ainda que vândalos baderneiros, com terroristas é desproporcional, não reflete a realidade e irá criar mais precedentes para que isso seja utilizado a favor do governo contra seus opositores.

Para aqueles que pensavam que a alteração do idioma, substituição de palavras e de significado eram apenas bobagens insignificantes de militantes, estavam muito enganados. A alteração da linguagem impede ou direciona o pensamento, é uma estratégia conhecida de domínio social e que se amplia para o campo legislativo, junto com o duplipensar e Ministério da Verdade, irá servir para perseguir e até prender opositores. Ou alguém se lembra da mídia atacar Lula quando chamou as “mulheres de grelo duro” entre outras tantas demonstrações de machismo, preconceitos ou no mínimo falta de respeito? Há dezenas de exemplos desse duplo padrão.

Hoje vemos a maior arma sendo aplicada: a Lei 13.260, de 2016, conhecida como antiterrorismo. A lei reformulou o conceito de organização terrorista. Não vou esmiuçar o conteúdo legal, contudo, é interessante observar o que diz o Art. 2º em seu §2º: “O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei” – grifo meu.

Mesmo que parlamentares tenham tentado impedir essa redação, a esquerda insistiu nesse teor a fim de que movimentos de esquerda tradicionalmente violentos como o MST, não fossem alcançados pela lei. Parece que toda a imprensa, com exceção do jornalista Diogo Schelp, ignorou isso. O mínimo que se esperava da mídia era que soubessem dessa lei e não chamassem os manifestantes do dia 8 de terroristas.

Ainda que a lei contemplasse motivação política – o que seria óbvio, pois a maioria dos atentados terroristas são políticos – não caberia chamar os manifestantes de terroristas. Antes que algum progressista mais sensível arranque os cabelos, isso não quer dizer que eles não cometeram crimes, como depredações do patrimônio público, pichação, incêndio, furto, lesão corporal entre outros. Talvez também se enquadrem nas penas previstas na Lei 14.197, mas não terrorismo.

Igualar manifestantes, ainda que vândalos baderneiros, com terroristas é desproporcional, não reflete a realidade, não atinge o objetivo e irá criar mais precedentes para que isso seja utilizado a favor do governo contra seus opositores, seja um governo de direita ou de esquerda. Não irá tardar para que a esquerda faça o mesmo ou pior, como historicamente faz.

Os países e seus cidadãos que já sofreram com o terrorismo, não utilizam a terminologia em vão; da mesma forma que o povo judeu não acusa descabidamente as pessoas de nazistas, pois sabe que a banalização é a forma de ignorarem os reais males que fanáticos são capazes de cometer. Os atos de terror são aqueles capazes de provocar medo generalizado na sociedade, alterando o cotidiano, impedindo direta ou indiretamente a liberdade, desorganizando a sociedade.

Os meios utilizados costumam ser cruéis, como acionamento de explosivos em locais de aglomeração pública, envenenamento da rede de distribuição de água, execuções, sabotagem em sistemas ferroviários, sequestros. Há infindáveis relatos, documentos, reportagens e vídeos de verdadeiros atentados terroristas. Ou já se esqueceram das Torres Gêmeas?

Aliás, o Brasil passou por isso na década de 60 e 70, e muitos dos terroristas daquela época hoje  possuem hoje lugar de destaque na política e na sociedade, conquistaram até indenizações, por incrível que isso possa parecer. Nos anos 2000, São Paulo também viveu momentos de terror por atos deflagrados pelo Primeiro Comando da Capital. Bombas foram colocadas em fóruns, policiais assassinados, ônibus incendiados, determinado toque de recolher pelos criminosos.

Comparar os acontecimentos do dia 8 de janeiro com atos terroristas como os citados é, no mínimo, um desrespeito com quem foi vítima deles. Qual a capacidade daqueles baderneiros de desorganizar a sociedade? De causar temor ao restante do país? De conseguir qualquer coisa em concreto contra a União? Devem sim ser punidos pelos crimes que cometeram, mas não serem alvos de uma perseguição política que atende a alguns anseios, esses sim, nada democráticos.

Outra observação importante foi a clara inobservância dos direitos civis e penais aos presos. E isso está sendo ignorado. Não houve individualização de conduta nem advogados presentes, e houve até crianças detidas com adultos. Quando uma emissora justificou ser algo que nunca havia ocorrido (mentira) e que isso foi uma exceção necessária, então caracteriza medida de exceção, seria então um Estado de Exceção? Qualquer pessoa minimamente isenta, sabe exatamente qual o cenário que está surgindo, e muito velozmente. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Davidson Abreu é analista de Segurança Pública, bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas, professor, escritor e palestrante. É autor do livro “Tolerância Zero”.

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