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Em fevereiro de 2015, a Suprema Corte do Canadá considerou ilegal uma lei que proibia médicos de auxiliar o suicídio de pacientes com doenças graves e incuráveis. O caso foi decidido com base na ação de Sue Rodriguez, paciente que sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma grave doença degenerativa que ataca células motoras do sistema nervoso e que, até o momento, não tem cura ou tratamento definitivo. Os juízes consideram que o suicídio assistido por médicos está de acordo com a Constituição canadense, especificamente por não violar o dispositivo do direito à vida, uma vez que, no entendimento dos magistrados, haveria importante distinção entre a correta defesa do “direito à vida” e a ilegítima imposição do “dever à vida”.

Há dois princípios éticos comuns que devem ser atendidos: a autonomia, mediante o respeito da vontade individual do paciente ou de seu representante legal; e a dignidade, com a previsão de cuidados médicos para alívio do sofrimento no processo de morrer

O debate envolvido nesta polêmica ultrapassa as fronteiras do Canadá. Também no Brasil as questões relacionadas à terminalidade da vida encontram-se em franca discussão. Há alguns anos, a Justiça Federal considerou procedente uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis. Esta questão não se encontra, porém, totalmente resolvida no âmbito legislativo brasileiro, onde os congressistas protelam em abordar questões morais conflituosas, tais como aquelas que perpassam o início e o fim da vida.

Embora os casos mencionados no Canadá e no Brasil pareçam tratar de um mesmo tema, há diferenças éticas importantes que merecem ponderação. No caso brasileiro, a norma do CFM e a decisão do Judiciário são específicas ao que se convencionou chamar de ortotanásia, distinta do suicídio assistido por não envolver diretamente a interrupção da vida (como agora será permitido no Canadá), mas apenas a interrupção ou limitação de procedimentos que protelem desnecessariamente a morte inevitável do paciente. Contudo, em ambos os casos há dois princípios éticos comuns que devem ser atendidos: a autonomia, mediante o respeito da vontade individual do paciente ou de seu representante legal; e a dignidade, com a previsão de cuidados médicos para alívio do sofrimento no processo de morrer.

Estes dois exemplos indicam que, se as sociedades contemporâneas não têm dúvidas quanto à importância da defesa do direito à vida, ainda está em aberto o reconhecimento do direito a morrer com dignidade – e isso deve ser buscado a partir de um debate amplo e aberto, envolvendo não apenas os médicos e os juízes, mas também as associações de pacientes, as organizações não governamentais, as igrejas, a juventude nas escolas, a mídia, enfim, todos os grupos e indivíduos que invariavelmente vivenciarão o processo de morte e morrer.

Thiago Cunha, professor do mestrado em Bioética da PUCPR, é doutor em Bioética pela Universidade de Brasília, membro do Comitê Assessor da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da Unesco (Redbioética) e da diretoria da Sociedade Brasileira de Bioética, e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos Sobre Bioética e Diplomacia em Saúde.
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