• Carregando...
A título de comparação, o número de mortes associadas ao câncer até o momento é de 1,1 milhão no mundo; e de mortes causadas por HIV/AIDS é de 227,9 mil
Imagem ilustrativa.| Foto: Freeimage

O tema da assistolia fetal em hipóteses de aborto legal nos traz sempre um debate desafiador. Abrange questões como a linha do tempo de uma gestação, o desenvolvimento da medicina e seus recursos terapêuticos, a autonomia da mulher grávida e seus limites e, finalmente, o nascituro e a definição de um marco temporal de viabilidade, após o qual ele não depende do útero materno para sua sobrevivência. Afinal, a interrupção da gestação garantida pela lei em determinadas hipóteses implica necessariamente que o feto não sobreviva, ainda que ele e a medicina tenham condições clínicas para tanto, por conta do estágio avançado da gestação?

Atualmente, sabe-se que o feto com 25 semanas de gestação e peso de 500 gramas é considerado viável para sobreviver a uma vida fora do útero. Na quinzena anterior, a sobrevivência é possível, mas com dúvidas sobre a qualidade de vida. O feto é considerado “não viável” até a vigésima segunda semana de gestação, a qual se inicia com a nidação, ou seja, quando o embrião humano se fixa na parede uterina materna e viabiliza sua embriogênese, crescimento e desenvolvimento.

O questionamento da assistolia fetal como procedimento prévio à interrupção da gestação é um debate legítimo para a pediatria.

Sabemos que o assunto é sensível e delicado, mas parece importante trazer ao debate a hipótese de a interrupção da gestação, em situação de abortamento legal, levar em conta um limite temporal circunscrito pelo marco da viabilidade fetal (até 25 semanas). A partir desse momento, haveria a necessidade de cotejo entre o direito do nascituro e o direito da mulher gestante, protagonistas do binômio materno fetal e ambos resguardados pelo ordenamento jurídico. Afinal, na legislação brasileira, o ser humano é considerado pessoa após o nascimento, mas no período intrauterino é considerado nascituro, com direitos também garantidos, ainda que não se tratem dos mesmos direitos de uma pessoa já nascida.

Há uma lacuna normativa, portanto, passando a se discutir, a rigor, a extensão do conceito de aborto legal. O binômio materno-fetal se apresenta com a prevalência de direitos maternos no início da gestação. Mas quando ultrapassado o marco de viabilidade fetal, torna-se possível, em tese, a preservação do direito legal à interrupção da gestação de modo concomitante com a proteção do direito à vida de um nascituro capaz de sobreviver à interrupção em ambiente extrauterino.

O conceito de abortamento da Organização Mundial de Saúde (OMS) trata de “interrupção da gravidez” até o marco entre vinte e vinte e duas semanas e com feto de peso inferior a quinhentos gramas. Após esse momento, segundo a OMS, trata-se de parto prematuro.

Não podemos esquecer que a hermenêutica dos textos legais tem grande dinamismo e guarda relação com os valores de seu tempo. Na antiga Roma, por exemplo, as crianças eram consideradas como pessoa apenas aos sete anos de idade. Devemos refletir se um ser humano na 37º semana de gestação intraútero teria direitos distintos de um ser humano nascido prematuramente com 26 semanas, ainda que através de um procedimento legalmente autorizado de interrupção da gestação.

O questionamento da assistolia fetal como procedimento prévio à interrupção da gestação é um debate legítimo para a pediatria, que assim exerce seu papel de defesa das crianças e participa vigilantemente de sua proteção. Tal técnica não tem fundamento em evidências científicas e tampouco nos conceitos jurídicos que autorizam – não há dúvida – a interrupção da gestação nos casos pela lei previstos, partindo da premissa, logicamente, de que o conceito de abortamento legal não se confunde com a necessidade da prática de assistolia fetal.

A prática de assistolia fetal não representa nenhum benefício fundamentado na beneficência e não maleficência, havendo outras opções de tutela e acolhimento à mulher previstas pela lei. Há de se garantir que não haja contato indesejado entre a gestante e o bebê, evitando de todas as maneiras o agravamento do sofrimento da mulher. Porém, a questão posta à reflexão segue sendo aquela quanto à possibilidade de, resguardado o direito da mulher à interrupção da gestão, preservar-se a vida extrauterina quando houver viabilidade fetal.

Donizetti Dimer Giamberardino Filho é conselheiro efetivo do Conselho Federal de Medicina pelo Paraná, membro da diretoria executiva da Sociedade Brasileira de Pediatria e presidente da Academia Paranaense de Pediatria.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]