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Avanços e desafios no cuidado a doenças raras no Brasil

Paciente com doença rara sendo atendido por médica especialista.
As doenças raras podem ser identificadas com mais agilidade por meio da IA Generativa. (Foto: Ortopediatri Cocuk Ortopedi Akademisi | Unsplash)

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Minha jornada no universo das doenças raras começou em 1990, quando minha filha Laís, aos três anos de idade, começou a sentir dores nos tornozelos e, pouco depois, foi diagnosticada com artrite reumatoide juvenil (ARJ). Desde então, assim como inúmeras famílias brasileiras, embarcamos em uma longa e desafiadora caminhada. Embora os últimos anos tenham trazido avanços significativos, ainda há muitos obstáculos a serem superados para que pacientes com doenças raras tenham acesso pleno e digno aos cuidados necessários.

Estima-se que 13 milhões de brasileiros convivam com alguma doença rara, enfrentando desafios diários que vão desde o diagnóstico tardio até dificuldades no acesso a tratamentos adequados. Um dos principais entraves é justamente a obtenção de medicamentos, que permanece limitada. O Sistema Único de Saúde (SUS) anunciou a incorporação de 62 novas terapias – um avanço inegável. No entanto, apesar dessa importante conquista, o acesso real e efetivo aos tratamentos continua sendo um dos maiores desafios enfrentados pelas pessoas com doenças raras e suas famílias.

A caminhada ainda é longa – isso é um fato, mas com compromisso, inovação e colaboração, podemos transformar a realidade das pessoas com doenças raras no Brasil

Na rede pública, o processo de incorporação de novas tecnologias é frequentemente burocrático e demorado. Mesmo quando um medicamento é incorporado, há um intervalo significativo até que ele seja efetivamente disponibilizado aos pacientes. Já na saúde suplementar, a situação não é muito diferente, com dificuldades de cobertura e acesso.

Mas existem outros desafios que vão além do acesso. Um deles é o diagnóstico tardio – um problema recorrente para diversas doenças raras. Quanto mais tempo se leva para identificar a condição, maiores os impactos na qualidade de vida e no prognóstico do paciente. O fortalecimento de redes de suporte, o aumento do investimento em pesquisa e inovação, além de melhorias na capacitação dos profissionais de saúde, são medidas essenciais para reverter esse cenário.

A atualização da Portaria 199/2014, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, assim como a modernização dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), que orientam os cuidados adequados para cada doença, também são necessidades urgentes. Outras ações imprescindíveis incluem: a redução da burocracia para o registro de novos medicamentos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ampliação da incorporação de novas tecnologias pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e melhorias na gestão da compra e distribuição de medicamentos pelo Ministério da Saúde.

Apesar dos desafios, avanços importantes vêm sendo conquistados. Em Brasília, por exemplo, a Triagem Neonatal foi ampliada para detectar 62 doenças raras tratáveis. Em nível nacional, a Lei 14.154/2021 determinou a ampliação do teste do pezinho para abranger até 50 doenças raras – embora sua implementação ainda enfrente obstáculos.

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Para que o Brasil avance ainda mais no cuidado às pessoas com doenças raras, é essencial um esforço conjunto entre governo, sociedade civil, profissionais de saúde e a comunidade científica. O atendimento deve adotar uma abordagem integral, indo além do tratamento farmacológico e considerando o impacto emocional, social e econômico para os pacientes e suas famílias. Ao contrário de um modelo de cuidado fragmentado, que foca apenas na doença em si, o cuidado integral reconhece a complexidade da experiência da doença rara e busca oferecer um suporte abrangente.

Além disso, medidas como a criação de um registro nacional de pacientes e a ampliação da educação sobre doenças raras – tanto na formação dos profissionais de saúde quanto na sociedade – são fundamentais. Isso contribuiria para reduzir o tempo de diagnóstico, combater estigmas e garantir um planejamento mais eficiente para as políticas públicas.

A caminhada ainda é longa – isso é um fato, mas com compromisso, inovação e colaboração, podemos transformar a realidade das pessoas com doenças raras no Brasil, garantindo a elas mais qualidade de vida, dignidade e acesso aos cuidados necessários.

Lauda Santos, presidente da Associação MariaVitoria de Doenças Raras e Crônicas (AMAVIRARAS) e co-fundadora e vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (FEBRARARAS)

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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