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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O Projeto de Lei do Senado 193/2016, de autoria do senador Magno Malta, desperta debate acalorado – mas absolutamente estéril e equivocado – entre aqueles que acreditam que o Partido dos Trabalhadores e seus satélites levam vantagem na divulgação de seus ideários no ambiente escolar, e a militância desses mesmos partidos, que entende que essa forma de divulgação de suas ideias é legítima e abarcada pela liberdade de expressão. Ambos estão totalmente desconectados com a realidade e nem sabem ao certo – e nem querem saber – o que seja essa tão maltratada espécie de liberdade.

A questão sobre a manifestação político-partidária em sala de aula não pode ser discutida sob efeito de paixões político-partidárias. É simples assim. Trata-se de matéria afeta à educação e, por essa razão, deve ser tratada à luz dos valores fundamentais, constitucionalmente consagrados, que estruturam a relação educacional e seus atores, vale dizer, direitos e deveres fundamentais dos estudantes e, em um mesmo plano, direitos e deveres dos educadores. Isso sem esquecer que a escola não pode deixar de ser vista como uma instituição, na acepção da palavra: estrutura material e humana que serve à realização de interesse social ou coletivo.

Abusos devem ser refreados de forma institucional pela própria escola

O vampiro que suga nossa educação

O agente do processo é aquele professor que aprendeu com Paulo Freire que não existe neutralidade e que sua missão é transformar os alunos em réplicas ideológicas de si mesmo

Leia o artigo de Miguel Nagib, coordenador do movimento Escola Sem Partido

Nessa linha de pensamento, não obstante o slogan do aludido projeto de lei – “Escola Sem Partido” – seja simpático, a proposta normativa não para em pé. É evidente não ser aceitável que os professores transformem a sala de aula em um comitê partidário, deixando de apresentar o conteúdo programático para tentar impor a cartilha de uma agremiação política. Tampouco admissível que um aluno seja prejudicado por discordar ou não seguir a “orientação ideológica de um professor”.

Contudo, todos os educadores sabem que esse tipo de abuso deve ser refreado de forma institucional pela própria escola. Os próprios alunos, o corpo docente, a direção, pais, todos os atores envolvidos, em uma organização educacional fortalecida e respeitada, devem reagir a essa e a outras formas de abuso (discursos preconceituosos, sexistas, odiosos em geral; excesso de faltas, inépcia, negligência etc.). Essa é uma primeira razão para o legislador se abster de tentar impor um modelo de conduta travestido de diretriz educacional.

Mas há algo mais grave: exigir que um ser humano, um educador, no exercício de sua profissão, deixe de expressar suas opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias é uma absurda violação de sua liberdade de cátedra, uma espécie qualificada de liberdade de expressão.

E por que, nessa proposta legislativa, essa tão maltratada manifestação da liberdade volta mais uma vez a ser vilipendiada? Para essa resposta é preciso entender seu exato conceito, livre de paixões e manipulações. Liberdade de expressão é o direito que cada indivíduo tem de expressar seu pensamento de acordo com a sua autodeterminação conformada aos valores ético-sociais vigentes. Em outras palavras, toda manifestação de pensamento é admissível, desde que não destrua bens jurídicos fundamentais. E o educador, ao expressar suas opiniões e sua ideologia, diretamente ou impregnada na forma como vê o mundo e o conhecimento que transmite aos alunos, jamais estará violando os valores ético-sociais vigentes em uma sociedade livre, em um Estado democrático.

Guilherme Alfredo de Moraes Nostre é doutor em Direito Penal pelas Faculdades de Direito das universidades de São Paulo (USP) e de Coimbra (Portugal).
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