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A polícia de Portland é vista em equipamento de choque durante um impasse com os manifestantes em Portland, Oregon em 16 de agosto de 2020. Imagem ilustrativa.| Foto: Paula Bronstein/Getty Images /AFP

É preciso reconhecer: estamos em plena ditadura. Os direitos individuais, como a vida e a liberdade, ficaram para trás. Os mecanismos constitucionais de enfrentamento de crises foram tacitamente revogados e o pacto federativo precisou ser revisto. O povo continua, formalmente, como titular do poder, desde que se conforme com a vontade do governante, a quem deve cega obediência, sob pena de multa e prisão.

Governo de leis? Não. Os decretos, agora normas supraconstitucionais, podem passar por cima de direitos inalienáveis e da Constituição Federal. Por conta deles, inclusive, fiscais e agentes de segurança pública prendem e humilham o trabalhador, utilizando-se da mesma desculpa dos capachos dos piores regimes autoritários do século 20: “Estamos cumprindo ordens”.

Mais: os representantes eleitos têm o poder de discriminar os que exercem trabalho essencial (e é essencial o que eles acham que é) e os que exercem trabalho descartável. Os primeiros podem trabalhar (por enquanto); os últimos, que se juntem aos milhões que estão vivendo abaixo da linha da pobreza (e sem qualquer indenização).

As coletivas de imprensa passaram a ser recheadas de cinismo, e seus protagonistas abrem o discurso sinalizando virtudes e preocupações que não possuem e terminam, sempre, atentando contra a dignidade do povo. Diziam lá atrás: “É triste, mas vamos ter de fechar o comércio por 15 dias para achatar a curva e não colapsar o sistema de saúde”; meses depois, dizem que “compreendemos a gravidade, mas até que todos recebam a vacina as restrições são necessárias”; e agora, depois de um ano, ninguém mais afirma que a vacina resolverá (temos novas cepas do vírus, esqueceram?).

O brasileiro menos ingênuo já percebeu que isso não terá fim – ou terá: quando passarmos a viver de esmola (a chamada renda universal). É o novo modelo de escravidão: não teremos propriedade, mas (dizem) seremos felizes.

A desumanização passou a ser o instrumento para salvar a humanidade. Mais vale a mentira que atormenta, baseada em um mundo artificial, do que a verdade, calcada no mundo da experiência, que acalma.

Para acelerar esse processo é preciso manter o povo na miséria e com medo (do vírus e da força estatal). Há de se noticiar números imprecisos e previsões catastróficas a todo momento para retirar do indivíduo seu juízo racional e para que ele aceite e propague o discurso oficial. Notícias boas? Jamais, porque alivia a alma. Também não vale perguntar onde estão os bilhões distribuídos pela União e nem sobre os hospitais de campanha, os insumos e os respiradores.

Incentivam a histeria para que todos ajudem o Estado a vigiar e controlar. Vale tudo, até ligar para a polícia quando um comerciante estiver praticando o hediondo crime de... trabalhar.

A pretexto de acabar com o sofrimento, ignoram que este faz parte da vida, e que tentar excluí-lo equivale a excluir a própria vida; sob o discurso da prudência, desconhecem a lição segundo a qual o verdadeiro prudente, além da atitude reflexiva, não deixa de lado a coragem na decisão irreversível sem se enganar com certezas falsas; e ainda dizem atuar em defesa da existência humana, mas suas ações visam exatamente acabar com a essência do homem.

É a decretocracia sanitária com pitadas de uma infalível ciência oficial, que não aceita questionamento e se nega a reconhecer estudos sobre a eficácia do tratamento precoce (do qual eles, hipocritamente, fazem uso) e da ineficácia do confinamento geral – que eles mesmos não respeitam. Quem é o negacionista?

A questão não é se o vírus é mortal, pois sabemos que ele pode matar. Mas, independentemente de qual seja sua taxa de mortalidade, as liberdades não podem ser tolhidas sem o consentimento popular. A mesma liberdade que temos de ficar em casa, se assim quisermos, nos permite sair de casa para trabalhar e buscar sustento. Os mesmos que nos proíbem de trabalhar podem, amanhã, nos obrigar a trabalhar. Ou: hoje, trabalhar é crime; amanhã, trabalhar liberta.

Então, o que fazer? Há duas opções: aguardar passivamente o admirável mundo novo que está a caminho, ou lutar para preservar direitos que decorrem da própria condição humana.

A primeira saída é simples. Basta não fazer nada e ver quanto tempo dura o maravilhoso mundo elitista do home office,dos apps e do delivery (mas não reclame quando a corda estourar para o seu lado: ela estourou para muitas pessoas antes de chegar até você). Porém, se for para virarmos escravos da ciência, é justo que pelo menos nos mostrem qual contrapartida moral ela nos exigirá.

A segunda requer paciência e união de pessoas que buscam construir e viver em uma sociedade livre, justa e solidária – valores caros que não convivem com a política atual. O fortalecimento da família é o primeiro passo. Ainda, a formação de uma consciência individual sólida exige que deixemos as redes sociais e as notícias do dia um pouco de lado e busquemos a verdade a todo custo. Se a mentira escraviza, a verdade liberta.

Em vez de depositar esperança no governo, devemos nos esforçar para construir movimentos organizados “de baixo para cima”, como pequenas associações de bairros, clubes, comerciantes e assim por diante, a fim de exigir dos representantes eleitos que se preocupem apenas com a coisa pública (saúde, educação, saneamento etc.), mas que não brinquem com a nossa dignidade – e, falando em eleição, é importante lembrar do nome de todos aqueles que hoje estão do lado da tirania (ainda que por omissão).

Aos que se sentem lesados de alguma forma, além do direito de manifestação pacífica, a via judicial é uma alternativa, ainda que a chance de êxito seja incerta. Mostrar indignação e saber quem é a autoridade que está agindo contra os interesses do povo são direitos de todo cidadão. A desobediência civil é outro instrumento que pode ser usado em situações limítrofes nas quais o povo se vê ameaçado de tal forma que, para a preservação de suas liberdades, a ruptura é a última (e única) saída.

Sobretudo, em uma guerra travada pelo controle da alma, ajudar o próximo é um grande sinal de caridade – e lutar para preservar as liberdades das futuras gerações é um belo gesto de amor. Agrada a Deus e, por isso, conforta o coração.

Augusto Bruno Mandelli, pós-graduado em Direito Tributário e mestrando em Direito da Saúde, é juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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