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É preciso garantir as condições estruturais para a volta às aulas
| Foto: Arquivo AEN

Já são mais de 20 mil mortes e 900 mil infectados pela Covid-19 no Paraná. Uma verdadeira tragédia que não nos pode ser indiferente. A taxa de ocupação de leitos exclusivos para Covid-19 de UTI/SUS para adultos é superior a 90% em todas as regiões do estado, conforme Boletim da Sesa de 19 de abril. Muitos de nós tivemos familiares e amigos que faleceram em decorrência da Covid-19, o que nos afeta profundamente. No memorial dedicado aos professores e funcionários de escolas mortos pela Covid-19, aparecem mais de 100 nomes.Vidas dedicadas à educação que se perderam.

A desejada vacinação está longe de ser uma realidade para a população. Até 19 de abril, segundo dados do portal G1, a população vacinada foi de apenas de 12,6% no Brasil e um pouco menos no Paraná, 12,4%. O governo estadual não adotou, em tempo, as medidas sanitárias que pudessem controlar a circulação do vírus no estado. O plano de vacinação estadual restringe-se a replicar o plano nacional. As tratativas para a vacina Sputnik V com coparticipação das agências de pesquisa do Paraná não avançaram. Além disso, o governo estadual não tem feito esforços, como faz outros estados, para adquirir número maior de vacinas com laboratórios estrangeiros.

Abrir as escolas nesse momento é pôr em risco a vida dos estudantes, professores, funcionários de escola e a vida de pais, mães e responsáveis. É contribuir para o aumento de casos e, infelizmente, de mortalidade. Mesmo sem abrir para estudantes, durante um curto retorno para a distribuição de aulas e semana pedagógica, houve escolas no estado que apresentaram surto de Covid-19. Imaginem o que acontecerá com a circulação de meio milhão de pessoas por dia nesses estabelecimentos.

A circulação e aglomeração causadas pelo retorno às aulas certamente impactarão no aumento de casos, como foi no caso de Manaus, alertado pelo pesquisador Lucas Ferrante et al. em artigo publicado em 7 de agosto de 2020 na revista Nature Medicine (“Brazil’s policies condemn Amazonia to a second wave of Covid-19”) e na nota técnica do Inpa ao Mpam (“Avaliação e diretrizes para tomada de decisão frente a pandemia da COVID-19 em Manaus”). Estudos feitos por pesquisadores da Inpa/UFMG/Ufam/UFSJ em 11 das principais cidades do Paraná (Curitiba, Ponta Grossa, Guarapuava, Cascavel, Francisco Beltrão, Toledo, Foz do Iguaçu, Maringá, Londrina, Paranavaí e União da Vitória) e que foi apresentado por Lucas Ferrante (Inpa) na Frente Parlamentar do Coronavírus da Assembleia Legislativa, no dia 19 de abril, indicam que não é hora do retorno às aulas.

Não há garantias de não contaminação. Fala-se muito de protocolos e que seriam a garantia para a abertura. No entanto, as estruturas de nossas escolas e as condições sanitárias estabelecidas não são garantias de um retorno seguro. Falta ventilação suficiente nas escolas; seriam necessários cuidados com o manuseio e troca de máscaras pelos estudantes; seria exigido distanciamento social de 1,5 metro a estudantes que estão há meses sem se ver ou se tocar; as gotículas de saliva, de espirros ou tosse que contêm Covid-19 podem ficar suspensas no ar por até quatro horas e viajam a distâncias superiores a 1,5 metro.

Além disso, a higienização de ambientes comuns, que deve ser semelhante à feita nos hospitais, postos de saúde e Upas, não é tarefa fácil e exige todo um procedimento de equipes especializadas, algo que nossos funcionários de escola não foram preparados para realizar. A maioria dos colégios não tem o número suficiente de funcionários nem para atender às demandas em situações normais do dia a dia escolar, imagine numa situação de excepcionalidade pandêmica. Os banheiros dos colégios (espaço altamente contaminante), quando em bom estado de uso, precisariam de higienização constante; e algumas medidas de controle na entrada, como a aferição de temperatura, não funcionam em 100% dos casos pela ação diferenciada do vírus na fase inicial de incubação ou em situações de pessoas assintomáticas (e as crianças, adolescentes e jovens apresentam um número altíssimo de assintomáticos). E, para completar, os municípios não oferecerão transporte escolar e os alunos que precisarão utilizar transporte público urbano (ônibus) estão sujeitos a um alto grau de contaminação pela circulação do vírus em um ambiente de aglomeração.

Mesmo se garantíssemos todos os protocolos, o que é impossível, há aglomeração na entrada e saída dos estudantes das escolas e no deslocamento, onde não existem protocolos seguros e que podem expor as crianças, adolescentes e jovens à contaminação. Serão 500 mil pessoas entre estudantes, professores e funcionários circulando diariamente em todo o estado.

Quem arriscaria a vida de seu filho sabendo destas condições? Além disso, estaria se expondo e expondo à contaminação outros familiares, muitos dos quais são pessoas mais velhas ou com doenças crônicas. O mesmo vale para professores e funcionários de escola e seus familiares, que estariam submetidos a este ambiente.

Sabemos que há muitos desafios que precisam ser superados no campo educacional. A pandemia os escancarou. O aumento das desigualdades educacionais, que reflete o fosso histórico e estrutural das desigualdades sociais, afeta de forma brutal as camadas mais pobres. O retorno das aulas numa condição de pandemia cujo resultado perverso tem sido empobrecimento populacional, resultado da ausência de políticas sociais, só aumentará o grau de contaminação entre os mais pobres, o que tornará o fosso das desigualdades ainda mais fundo.

Não somos contrários à volta presencial das aulas. É o que mais desejamos. Anos de formação, somados aos anos de atuação que muitos de nós, profissionais da educação, temos, nos fazem desejosos de retornar ao ambiente escolar. Amamos o que fazemos e é no chão da escola que nos sentimos bem e nos realizamos profissionalmente. Mas é preciso, para além de que as condições protocolares de segurança sanitária estejam efetivamente garantidas, a remissão da pandemia e que ocorra a vacinação dos trabalhadores em educação de imediato.

Hermes Silva Leão, pedagogo, é professor de Educação Física da rede estadual do Paraná e presidente da APP-sindicato, que representa os profissionais da educação das escolas estaduais e municipais. 

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