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Transcorridos 150 dias da atual legislatura na Câmara dos Deputados, é possível perceber que o ponto médio das preferências dos legisladores se deslocou para a direita do horizonte ideológico. As expectativas de que as eleições de 2014 produziram um Legislativo mais conservador parecem se confirmar, hoje, vendo as matérias discutidas e aprovadas durante o primeiro semestre de atividade parlamentar.

Obviamente, esse tipo de fenômeno é parte da vida democrática e, nesse sentido, parece refletir uma certa mudança dos sentimentos e atitudes da população com relação à política. O pensamento conservador parece ganhar espaço entre as opiniões do público e isso produz efeitos sobre a representação política.

Contudo, o problema parece ser outro. Trata-se da forma com a qual essa mudança tem sido mobilizada pela Câmara dos Deputados, especialmente pelas mãos do seu presidente, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Eleito com 232.708 votos nas eleições de 2014 para o seu quinto mandato de deputado federal e contando com R$ 6.832.479,98 em financiamento de campanha – para o qual colaboraram empresas do setor financeiro e operadoras de planos de saúde –, Cunha foi ungido à presidência da Câmara como rei do baixo clero aproveitando-se de uma série de equívocos da coordenação política do Planalto desde a legislatura passada.

Cunha se utiliza de um verniz institucional para impor uma agenda muito particular, a do seu eleitorado

Com a pauta de maior autonomia do Legislativo perante o Executivo, foi visto por alguns incautos como patrono do realinhamento de forças entre os poderes Executivo e Legislativo. Esse movimento representaria o fortalecimento do parlamento e, consequentemente, da democracia, num cenário de presidencialismo visto como exagerado, até mesmo “imperial”. Nada mais falacioso, no entanto.

Em primeiro lugar, Eduardo Cunha se utiliza de um verniz institucional para impor uma agenda muito particular, a do seu eleitorado. Posicionou-se ferrenhamente contra a legalização do aborto e do casamento homossexual e a favor do porte de armas pela população civil e da redução da maioridade penal. Com forte base eleitoral entre fiéis de igrejas neopentecostais, joga para sua torcida, puxando um Pai Nosso não só sempre que a ocasião permite, mas inclusive quando ela não permite.

Entre outras coisas, o “método Cunha” consiste em enxugar o debate político e transformar o plenário da Câmara num verdadeiro picadeiro em votações controvertidas, cortando o microfone de seus pares contrários aos seus objetivos. Foi assim nas duas ocasiões em que conseguiu o que queria: aprovar o financiamento empresarial aos partidos políticos e reduzir a maioridade penal.

Em segundo lugar, Eduardo Cunha não só manipula com maestria a opinião pública conservadora como consegue fazer crer que o grosso da sociedade está ao seu lado, o que nem sempre é verdadeiro. Cunha deduziu sozinho, por exemplo, que o “distritão” – sistema apontado pelos cientistas políticos como prejudicial para a democracia – teria forte apoio popular, o que não é verdadeiro. Abusa das pesquisas de opinião pública quando estas amparam suas posições, como no caso da redução da maioridade penal. A mesma preocupação com os anseios do eleitorado não se fez presente, no entanto, no momento de votação do financiamento privado de partidos. Enaltecendo a independência do parlamento quando a opinião pública lhe é desfavorável e atacando os partidos quando acredita ter o apoio popular ao seu lado, Eduardo Cunha fere de morte nossa ainda incipiente democracia.

Em resumo, o estilo Cunha consiste em mitigar o debate político, forjar maiorias cíclicas em torno de sua figura (jogando com o governo, os fisiológicos e a oposição quando lhe convém) e debochar das minorias. Tem conseguido instrumentalizar o seu papel institucional para converter a agenda do seu eleitorado na agenda da Câmara.

Se é verdade que esse parlamento está mais conservador, Eduardo Cunha prepara uma investida reacionária. Mas os conservadores preferem que as coisas permaneçam como estão ou mudanças muito contidas. Os reacionários, de outro lado, pregam um retorno a um passado distante. Misturar fé e política e insistir num Estado punitivo nos leva para mais de um século no passado, na antessala da democracia e da afirmação dos direitos fundamentais.

Luiz Domignos Costa é professor no Grupo Educacional Uninter e doutorando em Ciência Política na UFPR. Chico Moreira é advogado, procurador do município de Rio Negro, mestre e doutorando em Ciência Política na UFPR.
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