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Gostaria de refletir sobre o entendimento do que seja ciência e como se relaciona com a educação. Faço isto porque, várias vezes, tenho ouvido em meios de comunicação que a verdade deve ser científica para ser considerada. Isto parece dar uma autoridade especial à ciência ou pesquisas científicas como se fossem a última palavra em conhecimento da realidade humana.
Entretanto, ao meditar o sexto livro escrito por Santo Tomás de Aquino, quando este realizou o comentário ao livro de Aristóteles intitulado “Ética a Nicômaco”, verificamos que o entendimento filosófico sobre o que seja a ciência não é corretamente compreendido. Vejamos o que diz o santo doutor católico.
A alma humana tem uma parte dita racional, a qual pode ser racional por essência ou por participação. Ainda, a parte por essência divide-se em científica e raciocinativa. Esta parte, que é dita por essência, necessita para seu desenvolvimento de virtudes intelectuais, enquanto a participativa exige um aperfeiçoamento por meio das virtudes morais.
A divisão da parte por essência dirige-se para a especulação do necessário, por isto chama-se “científica”, enquanto para especular os contingentes, se faz necessário a raciocinativa.
Devemos entender que para tomarmos uma decisão racional, o ser humano elege dependendo do seu intelecto e do seu hábito moral, fato que aperfeiçoa a força apetitiva, dando-lhe condições de utilidade, de deleitação e a busca do bem honesto. Podemos dizer que sem uma especulação científica e raciocinativa não se tem certeza de uma decisão ou julgamento.
Isto está de acordo com tudo o que já escrevi aqui em outros artigos. O ser humano tem uma alma com uma inteligência e uma vontade própria, sendo que esta última é cega, necessitando do esclarecimento da primeira. Esta busca da verdade, própria da inteligência, é o âmago do que estamos falando, enquanto a vontade sempre busca o bem para si e para os seus.
Existem, em suma, duas grandes obras próprias do homem: o conhecimento da verdade e a ação. Ambas as atividades se completam e exigem do intelecto o do conhecimento da verdade que só pode vir da prática ou raciocinativa, e da especulativa ou científica.
Nos atentarmos às considerações sobre a parte da alma racional por essência, uma vez que está diretamente ligada ao tema que desenvolvo aqui, ou seja, o chamado "conhecimento científico". Outras reflexões sobre os demais aspectos deixaremos para artigos futuros.
Para aperfeiçoar esta parte do intelecto são buscadas as virtudes intelectuais. São várias e as principais são: a ciência, a arte, a prudência, o intelecto e a sabedoria. Vamos entender cada uma delas.
As Virtudes Intelectuais e o alcance da Verdade
A ciência só o é do que seja eterno e nunca do contingente. Isto significa que os entes contingentes são incertos, podem ser ou não ser, enquanto os entes eternos, os quais são também chamados necessários, nunca poderão deixar de ser, nunca serão corrompidos e não se geram e é para estes que se volta a ciência. Ela é demonstrável e ensinável.
Aristóteles diz ser um sinal da ciência o poder ensinar e o modo de obter este ensinamento pode ser por indução ou por dedução. Neste primeiro modo se parte do particular para o universal e o segundo modo, também dito silogismo, parte-se do universal para o singular.
Já a arte é um fazer, mas não qualquer fazer, mas um fazer com o uso da razão. Nunca haverá arte sem uma razão e não há ação realizada com razão que não seja arte. Aqui fica claro que é um hábito voltado para os entes contingentes, pois uma arte pode ser realizada ou não, trata-se de coisas artificiais onde o fim é a própria arte realizada.
Também no campo dos contingentes, a prudência é aconselhar-se sobre o que vem a ser o bem útil, com o fim de produzir uma vida humana boa. É um hábito ativo com verdadeira razão, não acerca do factível, que são exteriores ao homem, mas acerca dos bens e dos males do próprio homem. A prudência não visa o fim no objeto construído, mas no próprio realizador, enfim o bem da ação está no próprio agente, está nos bens do homem.
O intelecto, na visão aristotélica, não é a própria potência intelectiva, mas sim um hábito voltado para os primeiros princípios, os quais por serem os primeiros são indemonstráveis. É necessário que exista no ser humano esta percepção de que existe um princípio de raciocínio, sem o que não podemos pensar coisa alguma.
Por último, vemos que a sabedoria é uma virtude intelectual por excelência. Por este hábito o ser humano tem a visão clara da causa final, determinando, portanto, diante do início de qualquer processo, o resultado a que vai se atingir com as ações planejadas, caso sejam realizadas. A sabedoria enxerga os princípios, aponta os erros e identifica a linha de causalidade, demonstrando com certeza os resultados.
Ciência, indução e o risco das Verdades Provisórias
Depois de apresentar estas principais virtudes intelectuais, acredito poder aprofundar meu ponto de vista sobre o que seja a ciência e de como está sendo utilizada indevidamente.
Bem, a ciência é um hábito demonstrativo e que se utiliza do conhecimento adquirido para, a partir deste, evoluir para novas conclusões. São dois os modos de realizar a intelecção na ciência, como já abordei acima, a indução e a dedução.
A dedução nos conduz sempre a uma verdade inquestionável. Vou dar um exemplo: o todo é maior que as partes. Outro exemplo característico da filosofia é o silogismo categórico, onde eu digo: todo homem é mortal, eu sou um homem, portanto, eu sou mortal.
Podemos verificar a certeza e a correção lógica, fatos que não afrontam o raciocínio intelectual de forma alguma e a conclusão será uma verdade e, como tal, não pode ser contestada, seja no ontem, no hoje ou no amanhã, seja aqui neste mundo ou em qualquer outro planeta. A verdade é eterna.
Agora, na indução, os princípios universais do que se busca não são conhecidos e parte-se do particular, do singular, para o universal. Neste caso, os resultados por vezes se aproximam de uma verdade, sem nunca garantir totalmente esta verdade. Assim, quase sempre os resultados de uma indução são expressos em probabilidades.
Algum leitor poderia perguntar se este método não traz certeza, por que o realizar? Responderia que, infelizmente, não temos condições de buscar respostas para todos os questionamentos que a humanidade procura utilizando a dedução, neste caso resta-nos a indução. Vejamos alguns exemplos.
Diante da pergunta: como surgiu a Terra? Como não temos informações para deduzir a resposta, partimos para a indução, ou seja, verificamos os resultados que nos aparecem e inferimos as suas causas.
Neste caso, é formulado uma teoria, a qual diz ter ocorrido uma grande expansão há 14,5 bilhões de anos e de lá ocorreu um movimento até que há 4,5 bilhões de anos surge a nossa Terra. Outra teoria é sobre como a humanidade surgiu após estes 4,5 bilhões de anos. E mais uma teoria se forma.
Vejam, não é possível ter a certeza, apenas probabilidades e se montam modelos que subsistem até que surgem novas observações e experiências que levam a aperfeiçoamento ou mudanças completas da teoria vigente. Poderia citar o embate entre Einstein e Newton como um exemplo de mudança de teoria e de modelo científico.
Acredito poder demonstrar que é aqui, no raciocínio indutivo, que se encaixa a ciência. Quando é impossível ter conclusões certeiras nos temas onde não há possibilidade da dedução, é aqui que podemos utilizar nossa capacidade intelectual na avaliação de experiências e verificar a relação causal nestes testes, verificando probabilidades de resultados. Também aqui é onde a sabedoria será mais necessária, quando se interpretam resultados muitas vezes anômalos.
Desta forma, quando nos apropriamos de resultados experimentais realizados em órgãos sérios, tais como uma universidade por exemplo, pode nos dar uma ideia de probabilidade, mas nunca a certeza do resultado. Pode por vezes ser apresentado sob um verniz acadêmico uma informação que no fundo não passa de uma probabilidade, nunca uma verdade.
Não podemos esquecer que a verdade não é a narrativa. Fica claro que muitas pessoas e meios de comunicação dizem a mesma coisa, não significa que esta informação seja correta.
Muitas vezes é apenas um modelo adotado até que as ciências experimentais tragam mais teste e mais dados no raciocínio indutivo e possibilita que se monte um modelo, ou se altere um anterior. Quando nos deparamos com a verdade, esta nunca muda, me parece óbvio.
Com esta rápida reflexão, podemos concluir que a educação e o ensino têm papeis fundamentais em todo este processo que envolve a ciência.
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Verificamos que o foco educacional deve ser o desenvolvimento das virtudes e que aqui apenas falamos das intelectuais.
O ser humano otimamente educado buscará realizar ações, para isto deverá saber uma arte, a qual está fundada em uma ciência, deverá realizar esta arte com prudência e sabedoria, utilizando plenamente o seu intelecto. A tecnologia em si é ignorante sem uma inteligência que a direcione para o bem.
Identificar vários órgãos nacionais e internacionais que se arvoram em resultados acadêmicos, os quais são sempre indutivos, para aplicarem recursos com a finalidade de obter resultados financeiros, independentemente das consequências negativas, por vezes óbvias.
A ciência parte sempre de algo conhecido, tal qual a mente humana, mas não tem como saber a priori os resultados, e aí realiza testes e experiências buscando sequências lógicas para formular teorias. Quanto mais testes, mais perto de resultados satisfatórios, entretanto, nunca se atingirá a certeza, ou seja, a verdade do que se explora.
Por fim, os métodos experimentais não têm a capacidade de apontar as causas, tão somente a inteligência humana pode fazer isto. A verdade está no intelecto, não fora dele. Também gostaria de deixar claro que suspeitas e opiniões não são virtudes intelectuais, mesmo partindo de personalidades daquela área de estudos.
Os verdadeiros cientistas são humildes o suficiente para dizer que não sabem e estão buscando o conhecimento e aquilo que já sabem serão aprimorados pelos seus seguidores. A ciência é um excelente auxiliar para a natureza humana, mas não é uma formuladora de verdades.
Claudio Titericz, coronel reformado do Exército, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares e bacharel em Teologia; estudante permanente de Filosofia da Educação e ex-integrante do Ministério da Educação e é um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith, autor do livro “O Problema da Educação Brasileira”.



