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Em 21 de maio deste ano foi assinada a medida provisória que marca o início da reforma do setor elétrico brasileiro. Conhecida como MP da Reforma do Setor Elétrico, a proposta busca modernizar o sistema, ampliar o acesso à energia, promover maior justiça social e tornar o mercado mais competitivo. A medida foi estruturada em três eixos principais: abertura de mercado e liberdade ao consumidor, justiça tarifária e equilíbrio do setor.
O primeiro eixo da reforma trata da abertura do mercado de energia elétrica e da ampliação da liberdade de escolha para os consumidores. A proposta prevê que todos os consumidores conectados em baixa tensão, como residências, comércios e pequenas empresas, possam, de forma gradual, escolher livremente seus fornecedores de energia. Assim, promete fomentar a concorrência entre os agentes do setor e estimular a redução dos preços no médio e longo prazos, além de incentivar melhorias na qualidade do serviço prestado.
Essa abertura será realizada em duas etapas. A partir de agosto de 2026, consumidores industriais e comerciais com tensão inferior a 2,3 kV poderão migrar para o mercado livre de energia. Já os demais consumidores residenciais terão essa opção a partir de dezembro de 2027.
A expectativa é que, com mais opções disponíveis, os consumidores possam contratar fornecedores que ofereçam preços e condições mais adequados ao seu perfil de consumo. Para isso, será fundamental compreender os próprios hábitos de uso de energia e acompanhar a evolução do mercado.
A medida também autoriza novas modalidades tarifárias já adotadas em países da Europa, como a França, por exemplo. Entre elas estão as tarifas horárias, com preços variando de acordo com o horário do consumo; o pré-pagamento de energia; as tarifas multiparte, que consideram custos associados à disponibilidade da rede; e tarifas diferenciadas por localização, qualidade ou complexidade operacional — como regiões com altas perdas não técnicas e inadimplência elevada. Com essas mudanças, o consumidor passará a ter um papel mais ativo e estratégico na forma como contrata e consome energia, seja uma família, seja uma empresa.
Por outro lado, embora o avanço na abertura do mercado represente uma mudança positiva e necessária, a medida também traz implicações importantes sobre o custo da energia no curto prazo. Isso porque o segundo eixo da reforma trata da ampliação da Tarifa Social de Energia Elétrica, voltada a garantir o acesso à eletricidade para famílias em situação de vulnerabilidade.
A nova regra prevê a isenção total do pagamento da tarifa de energia para famílias com renda per capita inferior a meio salário-mínimo (R$ 759,00 em junho de 2025), desde que estejam inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) e possuam consumo mensal de até 80 quilowatts-hora (kWh). O benefício também será estendido a idosos que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pessoas com deficiência, famílias indígenas e quilombolas.
Além da isenção total para esse público, a medida garante a exclusão do pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo que compõe a fatura de energia, e estabelece descontos para famílias com renda entre meio e um salário-mínimo per capita, desde que cadastradas no CadÚnico e com consumo mensal de até 120 kWh.
Hoje, apenas indígenas e quilombolas com consumo de até 50 kWh possuem isenção total. As demais famílias em situação de vulnerabilidade recebem desconto de até 65% na tarifa, limitado a um consumo mensal de 220 kWh. Com a ampliação das condições de acesso, estima-se que cerca de 17 milhões de famílias, o equivalente a 60 milhões de pessoas, passarão a ser beneficiadas pela nova tarifa.
O governo espera que, com essa reformulação, haja redução na inadimplência e nos furtos de energia, os chamados “gatos”, que sobrecarregam o sistema, comprometem a eficiência da distribuição e aumentam os custos operacionais das concessionárias.
No entanto, esse benefício gerará custos adicionais ao setor, estimados em R$ 3,6 bilhões por ano.
Como parte desses valores será custeada pelo CDE, que é financiado pelas contas de todos os consumidores e por recursos orçamentários, é provável que, ao menos no curto prazo, haja aumento nas tarifas para os consumidores que não se enquadram nas condições de isenção ou desconto
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), inclusive, já aprovou reajustes para compensar parte desse impacto financeiro, o que reforça a expectativa de elevação nos custos da energia no curto prazo para boa parte da população.
Por fim, o terceiro eixo da medida provisória trata do equilíbrio e da diversificação da matriz energética nacional. A proposta busca incentivar o aumento da geração por fontes limpas e renováveis e reduzir a dependência da energia hidráulica.
Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2021, 55,3% da energia elétrica gerada no Brasil teve como fonte a hidroeletricidade. Já dos 44,7% restantes, apenas 15,8% foram provenientes de fontes limpas, como eólica, solar e nuclear.
Esse cenário aponta para uma baixa diversificação da matriz energética brasileira e destaca o potencial de expansão da geração sustentável. A reforma, nesse sentido, visa atrair investimentos para fontes alternativas, fortalecer a segurança energética e construir um sistema mais resiliente, menos sujeito a oscilações climáticas e com menor impacto ambiental.
Com todas essas mudanças, fica claro que a reforma do setor elétrico não representa apenas uma alteração na forma como a energia é tarifada, mas uma transformação profunda na forma como ela é produzida, distribuída, comercializada e consumida no Brasil.
Para os consumidores de baixa renda, a medida busca assegurar acesso digno à energia elétrica, ampliando os benefícios da Tarifa Social e combatendo a inadimplência. Já para os demais consumidores, principalmente residenciais e empresariais, a reforma traz novas possibilidades de escolha e de economia, mas também exige maior atenção ao perfil de consumo e à dinâmica do mercado.
Em paralelo, o aumento dos custos com a CDE e o fim de subsídios em contratos futuros, como os descontos nas tarifas de uso da rede, devem ser monitorados com cuidado, especialmente por empresas e consumidores de médio porte.
Nesse novo cenário, será essencial que consumidores e empresas compreendam as novas regras, avaliem com critério as oportunidades de contratação no mercado livre e busquem suporte técnico para tomar decisões estratégicas.
Contar com uma consultoria especializada pode ser determinante para garantir economia, segurança e eficiência energética. A reforma é, acima de tudo, uma oportunidade de reorganizar o setor e tornar o acesso à energia mais justo, moderno e sustentável, mas exigirá preparo, informação e planejamento por parte de todos os agentes envolvidos.
Paulo Henrique Santos Morais é formado em Engenharia Mecânica pela UNICAMP, possui MBA em Finanças pelo INSPER e Especialização em Sustentabilidade pela University of Cambridge. É Diretor Executivo da Peers Consulting + Technology.



