Na véspera de entrar no seu segundo mês e completar 30 sessões, a Ação Penal 470 só agora conseguiu extrair de um dos ministros da suprema corte uma avaliação metajurídica, extraforense, moral. E apenas um condenado teve a grandeza de avaliar publicamente sua dimensão trágica.
Ao votar pela condenação de parlamentares que receberam dinheiro espúrio do esquema do mensalão, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha conclamou os eleitores, na quinta-feira, a não desprezar a política e os políticos. A advertência não é meramente retórica, tem caráter funcional, pois a ministra está, neste momento, à frente do Tribunal Superior Eleitoral e, por conseguinte, presidirá o próximo pleito. Ao exercer a dupla função, lembra que nem todos os políticos cometem atos idênticos aos que acabara de condenar. Ao transcender o que está nos autos, a ministra deixa claro que o julgamento não pode ser desconectado da realidade que gerou tantas disfunções.
Este olhar mais reflexivo, abrangente talvez até mais feminino esteve ausente dos debates e da cobertura jornalística. A questão que palpita com mais força nas entranhas da AP 470 é a compra de votos de parlamentares de pequenos partidos de aluguel ou grandes agremiações desprovidas de compromissos políticos além da conquista do poder, o que dá no mesmo.
Este mensalão ou mensalões não aconteceu por acaso. Com características diferenciadas, certamente mais sofisticadas, voltará a repetir-se enquanto legisladores e autoridades eleitas sentirem que podem tudo e não têm contas a prestar à sociedade que lhes confia a defesa dos seus interesses.
Enquanto o megajulgamento for acompanhado de olho no placar, como uma enorme partida de futebol, mais vulneráveis ficaremos às repetições. Delitos e penas são cruciais no processo de fazer justiça; o rigor maior, porém, deve estar voltado às circunstâncias que favorecem a ilicitude.
"Votamos com tristeza... julgamos pessoas que contrariaram o direito penal... isso não significa que a política seja necessariamente e sempre corrupta." A magistrada parece querer escapar da esfera do Direito Penal, o coliseu romano, onde só importa a severidade do castigo. E, na condição de fiscal do próximo pleito, quer convocar os eleitores a não incorrer em equívocos assemelhados. A concomitância do julgamento com a temporada eleitoral, se por um lado onera alguns partidos e candidatos, por outro facilita a pregação daqueles, como a ministra Carmen Lúcia, legitimamente preocupados com a sustentabilidade do processo democrático.
Na mesma linha da advertência da ministra e a entonação dramática que se tornou marca pessoal, está a confissão do réu que Carmen Lúcia julgara no dia anterior. Na sexta-feira, em seu blog, o ex-deputado Roberto Jefferson, recém-saído do hospital onde trata das repercussões de um câncer de pâncreas, declarou: "Não sou vítima de ninguém, a não ser de mim mesmo."
O cúmplice-denunciante repudiou a qualificação de delator, as imputações da maioria dos ministros, mas não se eximiu, nem distribuiu acusações. Reconheceu seu erro. Reconheceu a miragem de impunidade que muitos parecem ainda tentados a seguir.
Alberto Dines é jornalista.



