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Acho triste ter de escrever isso, mas percebo no projeto Escola sem Partido, em tramitação na Assembleia Legislativa, um sério risco ao professor e à sua liberdade de ação pedagógica. A ideia do projeto é afixar um cartaz com as obrigações do professor, dizendo que ele não pode expor suas concepções políticas e sociais em sala de aula.

O primeiro motivo pelo qual esse projeto está equivocado é o fato de o conhecimento ser uma criação humana e, como qualquer criação, sofrer influência do meio em que é desenvolvido e das concepções dos seus autores. Não há conhecimento e nem discurso isento ou neutro, como gostariam os autores do projeto. Se eu vou ensinar um conteúdo de História – por exemplo, a Segunda Guerra Mundial –, no meu discurso estão concepções políticas, sociais e culturais. Não há como dissociar. Se eu vou ensinar sobre a Reforma, e eu sou católico, o meu discurso será diferente daquele de um evangélico. Essa suposta neutralidade que defende o projeto não é possível; simplesmente é uma fantasia que a maioria dos pensadores, como Pierre Bourdieu, já desconstruiu.

Como eu posso me desligar de todas as minhas ideias, concepções e vivências para ensinar? Dizer, por exemplo, que o discurso do professor não é neutro e que isso constitui um crime é a mesma coisa que criminalizar o seu pensamento e sua visão sobre a realidade. A imprensa, por exemplo, ao noticiar e ao pautar um jornal, expressa certas concepções políticas, culturais, religiosas e sociais. As igrejas, por exemplo, expressam suas ideias políticas e culturais nos seus cultos religiosos, como a luta contra o aborto. Simplesmente não é possível para ninguém construir um discurso em que não se coloquem suas posições sobre os fatos.

Como eu posso me desligar de todas as minhas ideias, concepções e vivências para ensinar?

O segundo motivo é o critério subjetivo a que o projeto deixa os professores à mercê. Suponhamos que um aluno pergunte ao professor sua opinião sobre uma determinada política pública implementada por algum político em alguma esfera de governo. Ao dizer que concorda ou discorda por algum motivo, a fala do professor poderia ser enquadrada como incitação aos alunos para fazer parte de uma manifestação favorável ou contrária a um partido político. Isso nos leva ao problema de avaliar se um discurso é ou não doutrinário. Se eu ensinar sobre Marx, eu estou doutrinando ou não? Se eu falar sobre os crimes de Stalin, eu estou doutrinando ou não? Se eu falar sobre a pobreza na África, eu estou doutrinando ou não? Isso tudo é muito subjetivo e abre caminho para uma criminalização da atividade docente.

Um dos artigos do projeto diz que o professor respeitará o direito de o aluno receber a educação moral dos pais, de forma a não confrontar isso. Aparentemente parece razoável – mas não é, infelizmente. Se o ensino dos conteúdos tiver de ser balizado pelas concepções morais dos pais, então perde-se o sentido da escola. A função da escola é justamente discutir temas e concepções que não fazem parte do conhecimento prévio do aluno. Qual o sentido da educação formal senão ensinar e mostrar aos alunos possibilidades no campo da ética e em outros campos que extrapolem o seu conhecimento prévio? Será que ensinar sobre Darwin e a evolução para um aluno evangélico não desrespeita a educação moral dos seus pais? Em tempo:

Apesar de não concordar com o projeto, acredito que alguns professores podem cometer excessos ao tratar de certos temas. Isso, porém, deve ser tratado no âmbito de cada escola através da atuação da comunidade escolar, da direção e da equipe pedagógica, e não criminalizando a atividade docente.

Fabricio Maoski, historiador, psicólogo e mestre em Psicologia, atua na rede estadual de educação desde 2006.
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