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OPINIÃO DO DIA 2

Escolhas trágicas

A mistura de menos dinheiro com a maior efetividade dos direitos fez sur­­gir novos dilemas para as autori­­dade públicas

Já há um par de anos intensificou-se o debate quanto ao destino das verbas públicas, sobretudo as que visam a dar efetividade a direitos fundamentais (individuais e sociais). Todos legitimamente desejam tratamento adequado a seus direitos, mas nem sempre o Estado dá conta de todas as demandas. Assim, de tempos em tempos se reacende a discussão a respeito de gastos com saúde (vacinas, medicamentos, hospitais), educação (fundamental, técnica e universitária), transporte público, abrigos aos mais necessitados etc. Mas fato é que toda escolha que envolva gasto de verba – pública ou privada – traz consigo o sacrifício dessa mesma verba. Isso significa dizer que o dinheiro não é onipresente: caso usado nesta despesa, não poderá ser utilizado em qualquer outra. Esta ou aquela opção implicará a impossibilidade de outras tantas.

Por outro lado, não há direitos gratuitos: todos custam dinheiro – desde a propriedade e segurança privadas (basta a lembrança dos alarmes e vidros escuros nos carros, além das despesas públicas com policiamento), até o direito à saúde e à educação públicas. Alguns custam mais, outros menos, mas todos exigem a disponibilidade atual de receita. E o dispêndio para fazer frente aos custos de determinado direito proíbe que a mesma verba faça o atendimento de outros direitos. Por exemplo, a verba gasta neste medicamento pode impossibilitar que outro seja comprado; a compra de ônibus escolares pode impedir a construção de escolas – e assim por diante.

Até pouco tempo atrás, este tema não gerava maiores preocupações. Isto se devia a fatores típicos do Estado brasileiro, cuja economia era ilegível e incontrolável. A inflação da ordem de mais de 1.000% ao ano impedia que os economistas compreendessem a economia – o que se dizer, então, dos pobres administradores públicos e seus advogados. O orçamento público tentava organizar o caos econômico-financeiro. Somente a partir de 1995 (durante o Plano Real) e 2001 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que o administrador público passou a correlacionar as colunas de receita e despesa do orçamento estatal. Afinal, o Estado não é – e nem pode ser – uma cornucópia de dinheiro. Se pretender emitir moeda para saldar dívidas, o resultado será o retorno, com força total, da inflação e suas variantes . Logo, as receitas públicas são, sim, escassas e limitadas.

Ocorre que, simultaneamente a isso, deu-se a intensificação da busca pela efetividade dos direitos fundamentais, em especial o direito à saúde (previsto na Constitui­­ção desde a sua promulgação, em 1988). E fato é que, na maioria das vezes, o direito à saúde custa caro. Custa caro e depende de políticas públicas eficazes.

Essa mistura de menos dinheiro com a maior efetividade dos direitos fez surgir novos dilemas para as autoridade públicas. Afinal, alguém – preferencialmente com legitimidade democrática – há de decidir onde será alocada determinada verba pública: se neste programa de saúde ou na compra daqueles remédios; se em escolas ou hospitais; se em propaganda ou na compra de ônibus. São estas as opções a que estão submetidos os administradores públicos do Brasil contemporâneo: a definição positiva de determinada despesa implica a correspondente definição negativa de todas as demais. Implica o sacrifício do dinheiro só naquele direito. E o que é pior: são escolhas trágicas para as quais não há uma única resposta certa. Mas são escolhas que precisam ser feitas, por mais dramáticas que possam ser. Escolhas que podem implementar esta ou aquela política pública, menos a dos braços cruzados.

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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