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No último dia 1.º de julho foi publicada a Lei 13.303/16, que, regulamentando o artigo 173, §1º da Constituição de 1988, pôs fim a uma mora legislativa de quase 28 anos. Há hoje, portanto e finalmente, um estatuto jurídico das empresas estatais, aí compreendidas as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias.

A lei em referência possui três grandes eixos temáticos: uma perspectiva estrutural ou orgânica; uma perspectiva funcional; e uma perspectiva teleológica, que transcende as dimensões anteriores e as conflui em três noções fundamentais: controle, eficiência e autonomia.

No primeiro eixo, destaca-se a preocupação da lei com a (re)estruturação das estatais, dispondo a respeito do seu conceito, de seu regime societário e da estrutura de seus órgãos, com foco no atendimento à Lei das Sociedades Anônimas. Disciplinam-se condições para o exercício de cargos no Conselho de Administração e da Diretoria, bem como a existência de um membro independente no Conselho de Administração e de um Comitê de Auditoria Estatutário. É nítida a tentativa de profissionalização e despolitização das estatais, mediante nomeação de dirigentes sem vínculos políticos, com expertise para o cargo a ser ocupado, e focados no atingimento de resultados socioeconômicos à empresa e sobretudo à sociedade. Há críticas a essa opção – como, por exemplo, uma possível fragilização da governabilidade em razão da eliminação por completo dos cargos baseados na fidúcia –, que seguramente foram sopesadas pelo legislador ao adotar tal modelo.

É nítida a tentativa de profissionalização e despolitização das estatais

No segundo eixo, a legislação volta sua atenção para a forma de atuação das empresas constituídas pelo Estado, enfocando sobremaneira a forma de contratação de bens e serviços por parte delas. Em clara dissonância com o regime da Lei 8.666/93, a lei estatui 57 artigos (de um total de 97) especificamente para disciplinar o rito licitatório a ser seguido e as regras contratuais incidentes sobre a atuação das estatais. Destaca-se a maior aproximação da lei em relação ao Regime Diferenciado de Contratação (RDC) descrito na Lei 12.462/2011, bem como a existência de diversas disposições inovadoras no ordenamento, tais como a impossibilidade de alteração unilateral do contrato e a existência de restrições aos contratos de patrocínio. Há disposições relativamente abertas, que merecerão aprofundamento doutrinário e um cuidadoso tratamento jurisprudencial, a exemplo do art. 28, §3.º – que dispensa a licitação para a contratação de “serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais” e “nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio” – e do art. 71, II, que autoriza a celebração de contratos por prazo superior a cinco anos nos casos em que a contratação por prazo maior seja “prática rotineira no mercado e a imposição desse prazo inviabilize ou onere excessivamente a realização do negócio”.

A lei poderia ter aproveitado a oportunidade para disciplinar a terceirização no âmbito das estatais, já que paira enorme celeuma acerca da obrigatoriedade de concurso público para contratação de empregados – notadamente no que toca às estatais exploradoras de atividades econômicas. É inócua (para o Direito Administrativo) a discussão entre “atividade-meio” e “atividade-fim”, já que esse critério não foi albergado pelo art. 37, II da Constituição, e a lei poderia ter aproveitado para solucionar também esse problema.

Finalmente, o terceiro eixo perpassa e transcende as perspectivas anteriores, saltando aos olhos a elogiável preocupação da lei em relação a três temas de crucial importância para o atingimento da finalidade das estatais: sua autonomia em relação à administração direta; sua eficiência em matéria socioeconômica; e o controle (interno e externo) de sua atuação. Chamam a atenção diversas previsões, como a obrigação de seguir rígidos padrões de transparência; a necessidade de instituição e fiscalização de regras de compliance; a criação de regras para nomeação de administradores e a previsão de um conselheiro independente no Conselho de Administração; as obrigações no que toca ao planejamento de longo prazo; a previsão de uma “função social da empresa estatal”; o reforço do princípio da sustentabilidade nas licitações; e a existência de regras de imunização da estatal em relação a interferências da administração direta, dentre outras. Poderia a lei ter previsto a existência de mandato fixo nos cargos de direção das estatais, tal como ocorre nas agências reguladoras.

As estatais têm dois anos para se adequar à nova lei (ou seja, até 1.º de julho de 2018). De todo modo, quanto mais rapidamente as estatais absorverem as novas regras, maiores serão suas vantagens econômicas no futuro próximo.

Fernando Menegat, especialista em Direito Administrativo e mestre em Direito, é professor de Direito Administrativo na graduação e pós-graduação em Direito da Universidade Positivo.
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