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Estreito de Ormuz: como 3 km no Golfo Pérsico afetam o mercado global de petróleo

Estreito de Ormuz. (Foto: EPA/ABEDIN TAHERKENAREH)

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O Estreito de Ormuz entrou nos holofotes globais nas últimas semanas diante das ameaças feitas pelo Irã sobre fechá-lo. Mas o que é o Estreito de Ormuz? E por que ele é importante o suficiente para servir de moeda de barganha em uma ameaça como essa? Tudo gira em torno do petróleo.

O simples ato de apontar o estreito no mapa, que liga o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã, não faz juz a sua real importância nas cadeias de comércio globais. Nem sua dimensão: a distância mínima do estreito é de aproximadamente 50 km (distância que mal conectaria Santos a São Paulo), sendo que destes apenas 3 km são navegáveis por grandes embarcações. Porém, através dele passam cerca de 20% da produção global de petróleo (e 30% do comércio global), que em grande parte encontram destino na Ásia. A rota pelo estreito atende grande parte da produção originada no Oriente Médio, lar de grandes nações da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo). O interesse em Ormuz surge exatamente desta combinação não usual: uma região de dimensões modestas, mas de importância estratégica global.

Quais, então, são as alternativas para combater uma pressão altista de preços vinda do potencial fechamento do Estreito? A verdade é que não há alternativas logísticas razoáveis que estejam disponíveis a curto prazo

A pergunta básica então se torna: para onde iriam os preços do petróleo em um eventual fechamento do Estreito? Não há analogias diretas no passado, pois não temos precedentes históricos de um fechamento total. Regras de bolso como “o preço sobe cerca de 10 dólares por barril a cada 1 milhão de barris por dia de produção perdida” também tendem a não funcionar. A verdade é que esse cenário seria catastrófico, com uma precificação de escassez completa e corrida por oferta – o que chamamos no mercado de short squeeze.

A melhor analogia de comportamento que me vem em mente está, na verdade, em uma commodity que costuma chamar bem menos atenção em nosso dia a dia: o níquel. Em março de 2022, os preços de níquel estavam em alta por conta das incertezas geradas na oferta metal. A Rússia, responsável por cerca de 10% da produção global, acabara de entrar em guerra com a Ucrânia, gerando uma comoção global para desconectar o país do comércio global, através de sanções. No entanto, o inesperado aconteceu: uma companhia chinesa, a Tsingshan Holding Group, detentora de uma enorme posição vendida em níquel, se viu forçada a desfazer sua posição rapidamente. Sem liquidez suficiente na ponta vendedora, as compras feitas pela Tsingshan levaram os preços do níquel de 25 mil dólares por tonelada para mais de 100 mil dólares, em poucos dias. Uma alta de quase 300%. O movimento obrigou a LME (London Metals Exchange) a intervir no mercado. Visto que não houve mudanças estruturais na oferta e na demanda do metal, o preço do níquel passou por uma normalização nos meses subsequentes.

O short squeeze do níquel de 2022 foi originado por fatores muito diferentes de um potencial evento no petróleo com o fechamento de Ormuz. No caso do níquel, a demanda por contratos futuros foi artificialmente aumentada por conta de chamadas de margem feitas na Tsingshan – que foi obrigada a recomprar sua posição vendida – sem contrapartida imediata na oferta de contratos. No caso de Ormuz, a oferta de barris seria bastante reduzida sem contrapartida imediata em redução de demanda. Porém, a sufocante sensação de escassez, quando compradores procuram oferta e não encontram a liquidez, guarda interessantes similaridades.

Quais, então, são as alternativas para combater uma pressão altista de preços vinda do potencial fechamento do Estreito? A verdade é que não há alternativas logísticas razoáveis que estejam disponíveis a curto prazo. Segundo estimativas da IEA (International Energy Agency), a região possui cerca de 4 milhões de barris por dia de capacidade de dutos disponível para fazer redirecionamento de fluxos de petróleo. Esse número atende menos de 20% do volume que seria afetado por um fechamento completo do Estreito. Por conta da grande escala, o redirecionamento precário feito por caminhões encontrariam outros gargalos.

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Sem alternativa de escoamento de óleo na região, o mundo dependeria de encontrar capacidade ociosa de produção em outras geografias e uso de reservas estratégicas, que serviriam de buffer para que as nações protagonistas tenham tempo de chegar a um denominador comum que encerraria o bloqueio do Estreito. Curiosamente, anterior à escalada do conflito no Oriente Médio, o tema do petróleo também era capacidade ociosa – mas com uma conotação negativa.

Desde o final de 2022, a OPEP se encontra sob pressão para manter os preços do petróleo mais altos. Para isso, o grupo vem cortando sua produção, capitaneados pela Arábia Saudita. Os cortes de produção do grupo automaticamente tornam-se capacidade ociosa, isto é, que poderiam se tornar disponíveis se assim as nações quisessem. Esse era um sinal claro de que haveria uma tendência baixista de preços de petróleo – que veio se realizando até o começo deste ano. Porém, infelizmente, esta capacidade não estaria disponível, na prática, pois ela também sofreria com a questão logística do fechamento de Ormuz. Diferentemente da OPEP, outras regiões vem produzindo em máxima capacidade incentivadas por preços ainda saudáveis de petróleo, que se manteve consistentemente acima dos 60 dólares por barril nos últimos 4 anos. Projetos em grandes províncias petrolíferas como o pré-sal brasileiro demoram décadas para sair do papel. Já o shale americano, que costuma reagir mais rapidamente a preços e poderia estar impulsionado pelo “Drill, baby, drill” de Donald Trump, enfrenta questões de maturação geológica e apresentaria dificuldade para saltos enormes de volume.

Com relação a reservas estratégicas, a situação também não é animadora. Durante a recuperação econômica da Covid-19, o governo dos Estados Unidos fez uso de reservas para conter a alta dos preços de petróleo. Em seu período mais ativo, o governo liberou quase 1 milhão de barris por dia. O SPR (Strategic Petroleum Reserve) americano hoje contém cerca de 400 milhões de barris. Se, hipoteticamente, houvesse vazão para atender todo o diferencial de oferta gerado pela falta da rota logística em Ormuz, a reserva americana secaria em apenas 20 dias. Dificilmente veríamos um cenário muito distinto na liberação de reservas estratégicas chinesas, cujos números são menos claros do que os americanos.

Não há bala de prata para contornar Ormuz – é uma rota crucial e insubstituível. Na hipótese de seu fechamento, a combinação de todos os efeitos mitigadores que foram discutidos acima serviria apenas como uma ponte para dar tempo para que as nações se entendam e evitem o pior cenário. Espero que não cheguemos neste ponto.

Ricardo Viana é engenheiro de petróleo e analista de ações do setor de energia.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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