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Em termos comparativos, os cursos de Direito instalam combinação tentadora para as empresas de educação: menores custos de instalação (só salas de aula, biblioteca e alguns recursos de tecnologia da informação), grande demanda (alta capilaridade social, baixo custo para a instalação de escritórios e significativo volume de concursos públicos) e razoável oferta de professores (muitos bacharéis aventuram-se a lecionar como segunda profissão, além dos mestres e doutores). Pois bem: segundo dados do Ministério da Educação, no Brasil hoje existem 823 cursos aptos a formar bacharéis em Direito (faculdades, centros universitários e universidades). Apenas para conferir nitidez à informação, note-se que existem 171 cursos para a Medicina e 246 para a Engenharia Civil. Há quase cinco vezes mais cursos de Direito do que de Medicina e pouco mais do que três vezes a oferta de Engenharia Civil.

Numa perspectiva muito conservadora, todos os anos cada uma das instituições credenciadas oferece ao mercado no mínimo 100 alunos formados – o que resulta em por volta de 82.300 bacharéis em Direito/ano. Se alguém multiplicar esse número – bastante conservador, reitere-se – por dez, teremos quase um milhão de bacharéis em Direito a cada decênio. Uma comparação revela o significado desse número: segundo o Censo de 2010 (IBGE), a cidade de Londrina, que é a segunda mais populosa do Paraná, possui pouco mais de 506 mil habitantes. Então, a cada dez anos temos duas Londrinas lotadas de bacharéis em Direito.

Há alguns anos, a OAB começou a se preocupar com essa situação. Isso porque as instituições de ensino superior não formam advogados, mas bacharéis em Direito. Advogados são somente aqueles admitidos na OAB e submetidos à autorregulação profissional por ela definida (sobremaneira o Estatuto do Advogado e o Código de Ética). Para exercer a liberdade de profissão, todos devem se ajustar aos limites legais: só são advogados os inscritos na OAB, desde que cumpram com os seus deveres funcionais (afinal, os advogados detêm o privilégio da advocacia e devem respeitar essa função pública que lhes é atribuída).

Pois fato é que o crescimento – muitas vezes desenfreado – dos cursos de Direito passou a instalar dificuldades adicionais para a OAB, que tem dentre as suas funções as de controlar o exercício da profissão e punir os desvios de conduta. Constatou-se que muitos dos bacharéis não estavam aptos a exercer a profissão – tida como "indispensável à administração da justiça" (art. 133 da Constituição do Brasil). Muitos nem sequer sabiam escrever – quiçá defender os direitos de seus clientes. A OAB, que de há muito tem provas de ingresso, passou a adotar regras mais rígidas e uniformes para o chamado "exame da Ordem".

Esse contraste – muitos bacharéis a realizar provas mais rígidas – instalou críticas severas. Afinal, a OAB deveria curar da ética no desempenho da profissão, não da qualidade do ensino jurídico (atribuição do Ministério da Educação). Por outro lado, o exame poderia significar barreira de entrada ao mercado profissional, com a respectiva reserva aos advogados mais antigos (diminuição da oferta, a gerar a correspondente escassez e o aumento dos preços). Isso gerou grandes debates e o ajuizamento de ações. Ao final de 2010, uma delas reacendeu o debate, pois foi liminarmente deferida a inscrição na OAB sem o exame (depois, a liminar foi suspensa pelo presidente do Supremo Tribunal Federal no dia 31 de dezembro de 2010).

Porém, fato é que o exame da OAB não é limitativo do acesso à profissão. Não há número certo de bacharéis que podem entrar (como se houvesse vagas), mas sim acesso ilimitado: tantos quantos forem aprovados ingressarão nos quadros da OAB. Além disso, o exame não tem parâmetros que exijam elevado conhecimento jurídico, mas apenas o mínimo necessário para o exercício da profissão. O exame não procura averiguar se os cursos de graduação são bons ou maus, mas se aqueles bacharéis em Direito que, por livre escolha, pretendem ser advogados são aptos a exercer a profissão. Esses temas são de competência da OAB. Enfim, o exame da OAB permanecerá no tempo e será aperfeiçoado – caberá aos cursos de Direito e aos bacharéis o esforço para ingresso na profissão.

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR

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