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Os exames toxicológicos de queratina, tais como a análise química de substâncias psicoativas em cabelos e pelos, estão em evidência. A publicação da Resolução Contran 517, de janeiro de 2015, prorrogada em sua execução para janeiro de 2016, tem gerado uma importante discussão na sociedade e na comunidade científica.

A exigência da determinação do consumo de drogas no momento da emissão e renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para as categorias C, D e E se deve à alta prevalência de sua utilização pelos motoristas e os possíveis efeitos sobre a capacidade de direção, o que pode aumentar o risco de acidentes de trânsito. As substâncias testadas serão anfetaminas e derivados, incluindo-se a metanfetamina e o ecstasy; maconha e derivados; cocaína e derivados; e opiáceos, como a heroína.

Estudos científicos conduzidos no Brasil, especificamente com motoristas de caminhão, têm demonstrado que o uso dessas drogas é reportado por cerca de 70% dos profissionais durante sua jornada de trabalho. Em amostras biológicas (urina), a positividade para substâncias psicoativas ilícitas chega a 10% dos motoristas de caminhão avaliados.

Em amostras biológicas, a positividade para substâncias psicoativas ilícitas chega a 10% dos motoristas de caminhão avaliados

Dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e do Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF) ilustram que cerca de 30% dos acidentes em rodovias federais envolvem veículos de carga. Além disso, segundo o Ministério da Saúde, enquanto os óbitos por acidentes de transporte em geral aumentaram em 21,8% de 2004 a 2013, as mortes por acidentes com caminhões e/ou ônibus cresceram 54,4% no mesmo período, reforçando a maior gravidade dos eventos com esses veículos.

Assim, é importante destacar o real impacto dos testes de queratina na redução dos acidentes de trânsito, em especial nas situações com envolvimento de caminhões e ônibus. Nos Estados Unidos, de acordo com a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA) e o Fattality Analysis Reporting System (Fars), houve redução de 37% do número de mortes, no período de 1994 a 2012, em acidentes envolvendo veículos pesados após a adoção de políticas de exames toxicológicos de urina realizados nos motoristas.

Uma das maiores empresas do segmento de transporte e logística dos Estados Unidos, a J. B. Hunt Transport Services, adotou, a partir de 2006, o exame toxicológico de larga janela de detecção (análise no cabelo) como reforço no seu programa de combate ao uso de drogas no ambiente de trabalho, realizado desde 2001 com exames na urina dos trabalhadores. Com a implementação gradual dos testes de queratina (cabelo), percebeu-se uma redução na positividade nos exames aleatórios de urina em 85,7% e, nos exames de urina pós-acidentes, em 97,4%. Esses dados denotam que a adoção dos testes de larga janela foi fundamental para a redução do consumo de drogas psicoativas.

Desta forma, apesar de os exames de larga janela não permitirem identificar se o consumo de drogas psicoativas é recente ou não, eles são uma alternativa interessante de prevenção do uso dessas substâncias, já que apontam a sua utilização recorrente. Em adição, no Brasil há o entendimento, analisando-se Constituição Federal, de que o indivíduo tem o direito de não produzir prova contra si mesmo (artigo 5.º da Constituição Federal, inciso LXIII), o que permite que o motorista se recuse a testes toxicológicos aleatórios, como o de consumo de álcool, o que pode ser estendido a outras drogas psicoativas. Assim, estratégias como os exames toxicológicos de larga janela na obtenção ou renovação da CNH podem apresentar resultados consistentes, semelhantes aos já vivenciados quando implantados no ambiente de trabalho.

Os programas de prevenção ao uso de substâncias psicoativas são importantes e comprovadamente diminuem a positividade dos acidentes e o afastamento laboral, incrementando a segurança do trabalho por parte da atividade profissional e a qualidade de vida dos motoristas de veículos pesados. Portanto, a adoção dos exames toxicológicos de larga janela pode ser a mais adequada estratégia para a redução de acidentes e, consequentemente, o número de óbitos por acidentes de transporte no Brasil.

Tiago Severo Peixe e Edmarlon Girotto são professores da área de Farmácia da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
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