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A opção nuclear permite a produção de energia em grandes escalas, em plantas de dimensões reduzidas, localizadas próximas dos centros consumidores, sem nenhum impacto ambiental mais significativo

Mesmo ainda sem informações precisas da real dimensão do acidente com os reatores nucleares do complexo de Fukushima, no Japão, dirigentes de importantes países europeus assumem posições de revisão ou mesmo de banimento do uso da energia nuclear em seus territórios. Mas serão essas decisões medidas de longa vida ou manifestações movidas pelo trauma da tragédia de Fukushima e que, em poucos meses, serão repensadas em termos da realidade da crescente demanda energética de cada país? Conseguirão esses países manter os atuais níveis de crescimento de suas economias sem a contribuição da energia nuclear em suas matrizes energéticas? Aparentemente, a resposta é não. Vejamos por quê.

A oferta abundante de energia é o parâmetro fundamental para o crescimento da economia de qualquer país. No continente europeu, não existe potencial hídrico que possa contribuir, de forma significativa, para matriz energética dos países da região. Abrindo mão da energia nuclear, a única fonte disponível de energia para os países do continente europeu seriam as termelétricas à base de combustíveis fósseis (carvão ou derivados de petróleo), eólica e, em algumas regiões particulares, a solar. A opção de combustível fóssil se traduz em um desastre para o meio ambiente, em vista da significativa liberação de gases tóxicos para a atmosfera, contribuindo fortemente para o aquecimento global. A opção eólica é importante por ser uma fonte limpa, mas não tem potencial para abastecer grandes centros consumidores. No que tange à energia solar, deverá ser, em um futuro próximo, uma opção energética complementar, principalmente para pequenos consumidores. Isso explica a opção da França pela energia nuclear, país no qual aproximadamente 80% de sua matriz energética têm origem no núcleo do átomo. Na década de 1980, a Itália, por consulta popular no clamor do acidente de Chernobyl, baniu a energia nuclear de seu território. Nos últimos anos houve um crescente esforço dos dirigentes italianos buscando reverter a decisão da proibição do uso da energia nuclear naquele país. Para manter seu parque industrial, a Itália importa parte significativa da energia produzida nos reatores franceses, como se um eventual acidente em uma usina francesa não tivesse consequências desastrosas na própria Itália. Olhando a região da Ásia, observamos a construção de um grande número de novas usinas nucleares, principalmente na China, de forma a garantir a energia necessária ao crescimento da economia da região. Nos Estados Unidos, a situação não é diferente. A energia nuclear tem participação significativa na matriz energética americana. No Brasil, temos grandes potenciais hídricos, mas, em sua maioria, longe dos centros consumidores, que são as regiões sul e sudeste. Por outro lado, a construção de grandes usinas hidroelétricas, como Itaipu (em operação) e Belmonte (em construção), promovem profundo impacto ambiental, com significativas mudanças climáticas em regiões que vão além dos limites de localização dos próprios empreendimentos. Essas alterações climáticas têm efeito direto importante na fauna e flora local. Além disso, promovem inundações de extensas áreas com grande potencial agrícola.

Uma política de governo, responsável com o meio ambiente, certamente inviabilizará a construção de novas hidroelétricas de grande porte. A recente dificuldade do governo na aprovação do projeto Belmonte é uma prova inequívoca disso. Em decorrência do prejuízo ambiental que causam, as termelétricas a combustível fóssil, em futuro próximo, deverão ser apenas uma opção para administrar crises na produção de energia. Portanto, nem mesmo o Brasil, com seu significativo potencial hídrico, poderá abdicar do uso da energia nuclear sem comprometer o crescimento de seu parque industrial.

A opção nuclear permite a produção de energia em grandes escalas, em plantas de dimensões reduzidas, localizadas próximas dos centros consumidores, sem nenhum impacto ambiental mais significativo, em condições de operação normal. Esses aspectos foram importantes na decisão pró-nuclear de alguns países, como fez a França e, ao que parece, a China. Mas, sem dúvidas, é reconhecida como uma fonte de energia potencialmente perigosa e, portanto, investimentos na segurança dos reatores devem ser prioritários, independente de custos. Lições devem ser tiradas do desastre japonês e aplicadas nos reatores em operação ou em construção no mundo. Procedimentos e técnicas de proteção do núcleo dos reatores deverão ser revistos e/ou incluídos nos projetos em andamento, de forma a garantir a integridade do núcleo em qualquer caso, mesmo em situações inusitadas de superposição de eventos catastróficos, imprevistos nos cenários de simulações de acidentes nucleares, como aparentemente aconteceu no Japão.

Carley Martins, professor adjunto do Departamento de Física Nuclear e Altas Energias da Universidade do Estado do Rio Janeiro (Uerj).

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