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 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

A audiência pública realizada no último dia 23, em Pontal do Paraná, e promovida pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística serviria, em tese, para discutir com a população local e demais interessados o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da Faixa de Infraestrutura que se pretendee construir na cidade, ligando a região próxima a Praia de Leste até a Ponta do Poço, em Pontal do Sul. No entanto, se não fosse o Ministério Público Estadual questionar pontos fundamentais do processo de discussão da obra, a audiência teria se caracterizado como mais uma das propagandas visando convencer os moradores locais dos benefícios da Faixa para o tráfego de veículos. Assim, para somar força às vozes que se contrapõem aos interesses econômicos particulares interessados na construção da Faixa de Infraestrutura e que enfatizam, na discussão pública, apenas os supostos benefícios, é que se coloca aqui mais alguns argumentos para questionar tal empreendimento.

Pode parecer óbvio, mas, diante do que é anunciado à população, não é demais enfatizar que a Faixa de Infraestrutura não é para desafogar o trânsito da PR-412, mas para atender os objetivos daqueles que têm interesses na construção do porto em Pontal do Sul. A Faixa de Infraestrutura (e o porto) trará mais tráfego de caminhões e carros para Pontal do Paraná ao permitir o aumento da demanda para veículos. Além disso, embora o projeto contemple a construção de uma via duplicada para veículos (e se propagandeie isso), a obra inicial seria de pista simples, deixando sem previsão a execução de sua duplicação (como também deixa sem previsão de execução as tão alardeadas melhorias de saneamento para a população, que fariam parte da Faixa). Ainda: sem a duplicação da PR-407 no sentido Paranaguá-Praia de Leste e da PR-412 no sentido Matinhos-Praia de Leste, e sem a construção da ponte em Guaratuba, como ficaria o tráfego nesses locais? Se o interesse fosse, de fato, melhorar o tráfego da cidade, seria preciso considerar a elevação da qualidade do transporte público no município e na região, e o incentivo à utilização de outros modais, como a bicicleta.

Vamos repetir o “capitalismo de Estado” em que o poder público garante as condições infraestruturais para a acumulação privada?

Para além destas questões de tráfego, deve incidir também no conjunto de preocupações com a construção da Faixa de Infraestrutura o papel do Estado. Em tempos de alegado ajuste fiscal e de vigência de um “teto de gastos públicos” permitido pela aprovação da PEC 55 (ex-PEC 241), fala-se em gastar mais de R$ 360 milhões para viabilizar interesses econômicos de cunho privado. Que parcela desse valor viria exclusivamente do erário do estado? Vamos repetir a lógica do “capitalismo de Estado” brasileiro, em que o poder público garante as condições infraestruturais para a acumulação privada com a retórica de que são interesses públicos? Recentemente, no país, investigações de diversas ordens trouxeram à luz a estreita vinculação entre empreiteiras, financiadores de campanha e políticos, demonstrando que estes agem na vida pública, com muita frequência, para contemplar os interesses daqueles, fazendo o Estado atender, com prioridade, demandas particulares, e não as da maior parcela da população. Em função dessa péssima prática existente na política nacional, não é exagero pedir prudência para debater ao máximo os detalhes das questões relativas à construção de tamanho empreendimento que favorecerá sobremaneira poderosíssimos agentes econômicos.

Outrossim, como se alega, a construção da Faixa de Infraestrutura destruirá milhões de hectares de mata nativa para... preservar a mata nativa. Com a Faixa, diz-se, haveria um impedimento à ocupação desordenada a oeste do município. Parece-me um contrassenso comparar a destruição da Mata Atlântica feita por um empreendimento faustoso com as pequenas ocupações irregulares promovidas pelos moradores pobres. É claro que estes últimos precisam ser controlados, mas usando de políticas públicas que coíbam as suas causas, como a especulação imobiliária.

O motivo da construção da Faixa não é beneficiar moradores e veranistas, como está sendo ventilado à população, e sim beneficiar o porto. Empresários têm difundido a ideia de que, junto com o porto, também chegarão ao município melhores condições para seus negócios e mais empregos. No entanto, uma ocorrência muito comum ao crescimento da cidade em função dos novos empreendimentos e suas respectivas demandas é a vinda também de empresas maiores, que podem criar ainda mais dificuldade para o pequeno e médio empresário local. Quanto o aumento da oferta de emprego, que é o motivo utilizado para convencer os trabalhadores pobres da cidade de que a Faixa de Infraestrutura (e, em consequência, o porto) também seria benéfica a eles, é preciso dizer que o empreendimento portuário será inevitavelmente mais moderno que o da vizinha Paranaguá, mais informatizado e mecanizado e, por isso, demandará pouca mão de obra, restando praticamente os serviços de empresas subsidiárias que, se espelharem o padrão de suas congêneres, tenderão a ser precarizados, muito em função da própria concorrência por essas vagas que se seguirá com a vinda de trabalhadores de outros locais, atraídos pela promessa de emprego.

Diante disso, é preciso perguntar: quem pagará as contas de tamanha modificação? Quem ganhará com ela?

João Guiherme de S. Corrêa, doutor em Ciências Sociais e morador de Pontal do Paraná, é professor da Unespar.
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