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segurança da vacina
Imagem ilustrativa.| Foto: MICHAEL DANTAS/AFP or licensors

O governo federal foi – e ainda é – frequentemente acusado de genocídio. O principal argumento para tal grave acusação é a suposta recusa do governo em importar vacinas da Pfizer e o consequente atraso na vacinação. Devido ao atraso proposital na aplicação de vacinas, muitos brasileiros, que poderiam estar imunizados contra o coronavírus, vieram a morrer, assim argumentam os críticos. Mas será que foi assim mesmo? O Brasil poderia ter vacinado mais agilmente e ter salvo mais vidas, não fosse a relutância do governo em adquirir vacinas?

Tudo tem o seu contexto. O contexto do Brasil é a América do Sul. Devemos, pois, observar como progrediu e se houve atraso na vacinação nos países vizinhos em comparação ao Brasil. Quando se analisa o avanço da vacinação completa – duas doses na maioria das vacinas disponíveis – no continente sul-americano desde o começo de 2021 até o final de agosto de 2022, é possível notar que o Brasil não é o país com a taxa de vacinação mais acelerada, mas tampouco foi o que vacinou de forma mais lenta. Os dados são de domínio público e foram obtidos do instituto Our World in Data.

Na fase crítica da pandemia, durante o primeiro semestre de 2021, somente Chile e Uruguai vacinaram de forma mais veloz, ficando à frente dos demais países. Ninguém diz que houve atraso na vacinação nesses países. Porém, não se pode esquecer que o Uruguai é o menor país da lista, com uma população total de 3,5 milhões de habitantes, 62 vezes menor que a população brasileira. Obviamente, é muito mais simples, do ponto de vista logístico, vacinar uma população relativamente pequena, do que o gigante Brasil, com seus 215 milhões de habitantes, distribuídos em um território de proporções continentais.

O mesmo pode-se afirmar em relação ao Chile, que, embora seja maior que o Uruguai, ainda assim possui uma população de 19,5 milhões, 11 vezes menor que a do Brasil. O segundo e terceiro países mais populosos do continente, Argentina e Colômbia (ambos com populações 4-5 vezes menores que a do Brasil), apresentaram taxas de vacinação muito semelhantes à nossa. Numericamente, ao final do primeiro semestre, que foi a fase mais crítica da pandemia (476 mil de um total de 686 mil mortes ocorreram nesses 6 meses), a proporção de vacinação completa no Brasil, Argentina e Colômbia era de 12,4%, 9,5% e 13,4%, respectivamente.

Uma pergunta pertinente é saber se os países que vacinaram mais rápido tiveram desfechos melhores. A julgar pelo acumulado de óbitos por milhão de habitantes em 2022, o minúsculo Uruguai se saiu melhor que o Brasil com uma proporção de mortes/milhão 46% mais baixa que a registrada aqui. Já no Chile, a taxa de mortes por Covid-19 foi apenas 4% menor que a brasileira. Esses dados sugerem que, mesmo se o Brasil tivesse vacinado de forma mais célere, ainda assim, é presumível que o número de óbitos não fosse muito diferente.

Além disso, se vacinação ligeira fosse garantia de sucesso, os EUA, que são fabricantes de vacinas, e iniciaram a vacinação contra a Covid-19 bem antes que qualquer país sulamericano, deveriam apresentar números bem melhores, mas não é isso que aconteceu: as taxas de óbitos/milhão do Brasil e dos EUA são muito similares. Nesta tabela, com dados também obtidos do instituto Our World in Data, é possível visualizar a porcentagem de vacinados até o final do primeiro semestre de 2021, a fase mais crítica da pandemia e o acumulado de mortes/milhão ao final do primeiro semestre de 2022, já no final da pandemia.

Para resumir, o Brasil manteve uma taxa de vacinação similar à de seus vizinhos, mesmo sendo o maior país da América do Sul, tanto em população, como em extensão territorial, requerendo, portanto, uma logística mais complexa para vacinar a população. A acusação de que o governo ou o presidente procrastinaram ou até mesmo boicotaram o programa de vacinação contra a Covid-19 são frutos de desinformação e contradizem os dados reais. O que o presidente disse ou deixou de dizer é irrelevante, pois o que importa é o resultado. Os dados oficiais do Brasil e demais países da América do Sul mostram que a vacinação foi conduzida da forma que era possível naquele momento, ou será que Bolsonaro é também culpado pelo “fraco desempenho” dos países vizinhos?

Beny Spira, doutor em genética molecular pela Universidade de Tel-Aviv e pós-doutor na Universidade de Sydney, é professor do Departamento de Microbiologia da USP.

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