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Oportunidade histórica

Ao longo de suas trajetórias, os clubes de futebol buscaram a excelência dentro de campo para corresponder aos apelos e emoções das arquibancadas. No entanto, deixaram de lado a obrigatoriedade de se organizar como instituições. O resultado dessa equação mal resolvida, hoje, é o passivo fiscal que corrói as receitas e inviabiliza a própria solidez dos clubes. Para enfrentar esta crise, os novos conceitos criados pelos dirigentes esportivos, somados aos esforços do governo federal, Câmara dos Deputados e Senado, fazem surgir um caminho de oportunidade para o futebol brasileiro encontrar uma solução adequada e justa, com o objetivo de recuperar este passivo. Com a vantagem de ter, como contrapartida, a necessária implantação do profissionalismo na gestão corporativa, com todas as obrigações e responsabilidades inerentes a essa visão.

Leia a opinião completa de Vilson Ribeiro de Andrade, presidente do Coritiba Foot Ball Club, preside a Comissão dos Clubes do Futebol Brasileiro.

A Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE) é uma ideia simpática aos olhos de quase todo mundo que imagina o futebol afastado das suas principais mazelas. Mas o que de imediato parece uma revolução nada mais é que um disfarce de radicalismo. O futebol apresenta algumas peculiaridades enquanto atividade econômica, em que os clubes são empresas condenadas a produzir conjuntamente com um concorrente. Uma relação de "oposição-cooperativa", nas palavras de Gérald Simon. No esporte profissional, o objetivo é ser o número um, mas não o número único. É nesse momento, na tentativa de sobressair em relação aos demais concorrentes, que surgem as irracionalidades dos dirigentes. O imediatismo, a pressão por conquistas e a impossibilidade da decretação de falência levam às imprudências financeiras, as quais nos trouxeram às recentes discussões acerca da necessidade de regulamentar as gestões financeiras dos clubes e impor uma austeridade fiscal na tentativa de se controlar os gastos exorbitantes sem respaldo patrimonial e a expansão da bolha salarial. Tem de ser o fim da Lei de Gérson.

Mas o único potencial do projeto que será discutido nesta semana é de mais uma lei e não de um legado. O único instrumento de fiscalização são as Certidões Negativas de Débito e o controle seria feito apenas por um vago Comitê de Acompanhamento. E isso lembrando que a lei não pode alterar regulamentos, uma vez que tal função, garantida pelo art. 217 da Constituição Federal, cabe às entidades de administração do desporto (CBF e federações). Só há jogo com posterior consentimento da CBF.

Além disso, é latente a frouxidão das CNDs que não garantem solvência, mas certificam a renegociação das dívidas. A Caixa Econômica Federal, empresa pública, exige CND ao firmar patrocínios e nem por isso os clubes enfrentam dificuldades em fechá-los. Portanto, contrapartidas mais sólidas devem ser impostas, garantindo assim critérios rígidos de gestão e transparência. A competição tem de ser segura, necessariamente gerida de forma racional e por uma multidisciplinaridade de profissionais.

A possível recuperação de créditos hoje considerados intangíveis pela União é uma conquista, mas a saúde financeira do clube deve ser medida por meio de licenças concedidas após análise minuciosa do devido cumprimento de contratos de trabalho firmados com seus atletas e funcionários, além das obrigações frente a outros clubes e da responsabilização dos dirigentes por má administração ou gestão temerária. Nada assegura que contratos de trabalho deixarão de ser cumpridos para garantir a CND.

A punição de rebaixamento deveria ser mantida, mas, aliada a ela, outras sanções deveriam servir de meios de inibir tais condutas, como multas, proibição de registro de novos atletas, retenção de créditos, teto salarial etc. Assim como devem ser definidos critérios de demonstração contábil e uma auditoria externa independente que possa realmente averiguar a saúde financeira dos clubes, realizada em intervalo de tempo menor que o hoje previsto.

Sem a adequação a critérios de gestão transparente e democráticos, o esporte não será agraciado com nada mais que o mesmo. O momento tem de ser usado para garantir a moralização do futebol brasileiro. A LRFE, se aprovada da maneira como se encontra, se tornaria o cúmulo do resultado de inconsciência e exploração dos seus maiores interessados, os profissionais diretamente envolvidos.

Guilherme Campos de Moraes, autor do blog Lírios do Esporte, é responsável jurídico do Instituto Anderson Varejão e graduando em Direito pela Unesp.

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