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Opinião do dia 2

Filho não é propriedade

Muitas vezes os pais perdem a paciência e batem em seus filhos. Em uma pesquisa que realizamos em Curitiba, 88% dos adolescentes afirmaram que apanham. Às vezes, os pais podem estar com medo, com ansiedade e não sabem como agir, então, pensam que educam ao bater em seu filho. Imagine o seguinte exemplo: a mãe está conversando com a vizinha e vê sua filha de três anos debruçar-se na janela do 9.º andar. Nesse momento de ansiedade a mãe pode correr para a filha, tirá-la de lá, e como está muito preocupada, sem saber o que fazer, com um pouco de culpa por não ter estar supervisionando a filha (e por não ter colocado redes nas janelas...), dá-lhe umas "boas palmadas". A mãe acha que a surra vai servir para que a criança lembre do momento de perigo e afirma "isso vai doer mais em mim do que em você; faço isso para seu próprio bem, minha filha".

Em verdade, esta mãe estava desorientada e sob forte emoção diante da situação de perigo e, com as palmadas, conseguiu somente aliviar a sua angústia e raiva, mas em nada ajudou a sua filha. Espancar, bater, dar uma surra pode aliviar a frustração, ansiedade, raiva ou preocupação dos pais em determinado momento. No entanto, já está comprovado que bater é o método menos eficaz de disciplina. Às vezes a punição corporal pode até ter um efeito imediato (a criança pára de agir) e quem bateu pensa ter resolvido a situação, mas, em longo prazo, ela não elimina o comportamento do repertório da criança e não ensina a criança a agir de maneira adequada. Ela só serve para o agressor extravasar sua raiva e sua incapacidade de lidar com a situação e usar um comportamento incorporado através das gerações sem qualquer reflexão. "Dar uma boa palmada" como método para educar crianças está fortemente enraizado no cotidiano das pessoas, apesar de todas as palavras que denunciam esses métodos. As pessoas gostam de afirmar que "eu sempre apanhei de meus pais e como estou bem, vou continuar a fazer isso com meus filhos".

Como professora e psicóloga, acredito na educação como instrumento de mudança e como um instrumento de cidadania. Não é possível "dar" a cidadania para uma pessoa, mas deve-se "educar" para a cidadania. Quem educa uma criança senão seus pais em primeira instância? Quem deverá educar "para a não-violência" e para que essa criança seja uma cidadã digna? Os pais.

A psicologia estuda as interações entre pais e filhos há mais de quatro décadas e mostra muitas respostas de quais comportamentos são adequados para a socialização de uma criança e quais podem trazer prejuízos e a palmada está entre aqueles que podem trazer danos tanto à criança quanto aos pais. No entanto, muitos pais somente repetem "que no seu tempo era melhor", não se atualizam e não conseguem refletir que estamos em um mundo diferente "daquele tempo". Por que, então, essa violência contra os filhos ainda é consentida em nossa sociedade? Como podem os adultos bater em seus filhos se eles próprios não aceitam serem punidos fisicamente?

Estamos em um novo milênio, mas é preciso refletir sobre a História da humanidade. A criança sempre foi considerada como uma posse de seus pais que podiam fazer com ela o que lhes aprouvesse como dizia o filósofo Aristóteles ("Um filho e um escravo são propriedades de seus pais e nada do que se faça com eles é injusto, pois não pode haver injustiça com a propriedade de alguém"). A violência nos métodos educativos previa "domesticar" a criança, considerada um miniadulto imperfeito, até que ela se tornasse um adulto. Crianças devem ser educadas com respeito, modelos, ética e carinho e são "filhos da vida" e não propriedade dos pais. Não é possível deixar de pensar sobre o tipo de sociedade que temos hoje, feita exatamente por crianças que sofreram coerção e violência, e, portanto, aprenderam a utilizar esses mesmos métodos na construção do mundo, perpetuando uma sociedade imersa na lei do mais forte e de quem detém o poder. Não está na hora de criar uma nova geração? Se não for agora, quando? Se não for você, quem será?

Lidia Natalia Dobrianskyj Weber é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia Comportamental pela USP; professora e coordenadora do Projeto Criança: Desenvolvimento, Educação e Cidadania da UFPR, que oferece cursos gratuitos para pais.

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