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Com o início do processo eleitoral, ressurge também o tema do financiamento público de campanhas. A questão do financiamento exclusivamente público, misto ou exclusivamente privado (esse último com menos defensores explícitos) dos partidos políticos e, em especial, das campanhas eleitorais, volta a mobilizar políticos, fiscalizadores judiciários e representantes dos eleitores comuns. O foco principal, a meu ver, não é identificar o melhor modelo, mas saber o que se espera do modelo que se defende para o sistema brasileiro, especificamente.

Para começar, é preciso demarcar que temos no Brasil um sistema de financiamento misto. Em parte, as campanhas são pagas direta e indiretamente pelo poder público, a partir do que estabelece a legislação eleitoral; e em parte recebem doações de eleitores e de pessoas jurídicas (essas últimas não votam, por óbvio). Todos os partidos registrados recebem recursos do Fundo Partidário, mantido exclusivamente com recursos do Orçamento da União da ordem de R$ 0,35 por eleitor/ano – em anos eleitorais há condições especiais de repasses. A distribuição dos recursos se dá, em sua maior parte, proporcionalmente ao tamanho das bancadas de cada partido no Congresso. Na prática, o fundo é destinado também à estruturação de campanhas eleitorais e formação de lideranças. Portanto, financiamento público indireto de campanhas.

Some-se ao Fundo Partidário, ainda no âmbito dos recursos públicos, o acesso de partidos e candidatos às emissoras de rádio e tevê durante o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral. Embora os partidos não paguem por ele, o poder público oferece compensações ao sistema privado de comunicação. Até a eleição passada o mesmo acontecia com os outdoors, que entravam em um sistema de rodízio. Além disso, os candidatos nunca ressarciram as concessionárias públicas de energia elétrica pelo uso de postes para exposição de cartazes e faixas (prática permitida até 2006). No Brasil, o limite entre financiamento partidário e de campanhas é muito tênue, o que permite afirmar que, por aqui, financiamento público de campanhas eleitorais sempre existiu.

Além das fontes públicas, os partidos também podem captar recursos de eleitores e empresas. Nesse caso, a legislação estabelece limites. Por exemplo, o partido não pode receber mais do que declara que gastará. Dados os problemas de fiscalização, a prática deixou de ser crime em 1997, sendo punida agora apenas de multas e proibições de contratos com o poder público. Nessa área o principal avanço veio do projeto de lei de iniciativa popular que em 1999 transformou-se em lei, ampliando o conceito de compra de voto, inclusive para oferta de emprego público. A partir de então políticos começaram a ter cassados os registros de candidaturas e já houve, até perda de mandato.

Apesar dos significativos avanços do nosso sistema misto, parte da elite política brasileira insiste no financiamento público exclusivo. Normalmente, as justificativas são o combate à corrupção nas campanhas e a tentativa de igualar as condições de partidos grandes, médios e pequenos, evitando-se o efeito do poder econômico nas campanhas.

Em tese, ambos os argumentos são relevantes e válidos. Mas, será que podem ser aplicados ao nosso sistema eleitoral? Comecemos pela corrupção. O simples incremento de recursos públicos nas campanhas, aliado à proibição formal de "relações incompatíveis", não garante absolutamente nada sem a ampliação da fiscalização. Sabemos que o TSE e os TREs não têm condições de desempenhar esse papel com a atual estrutura de que dispõem. Os próprios juízes eleitorais são os primeiros a apontar dificuldades, apesar de todos os esforços.

Quanto à equalização de condições para a disputa de votos, pesquisas comparativas (uma das mais recentes foi realizada pela ONG Idea International www.idea.int) analisam os sistemas de financiamento em mais de 110 países. A pesquisa da Idea aponta que, na prática, o financiamento público resulta em barreiras para a entrada de partidos novos e pequenos no sistema, servindo para fortalecer os grandes partidos já institucionalizados – exatamente o contrário do argumento inicial.

Não quero, ao apontar as limitações para um sistema público exclusivo de financiamento de campanhas eleitorais no Brasil, passar a impressão de que não temos problemas quanto a corrupção e controle de contas de campanhas. Eles existem, mas se é para buscar uma solução, prefiro as mais simples. Por que não discutir a proibição de doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais? A restrição já existe na França desde 1993 e parece-me extremamente plausível, pois "relações incompatíveis" entre poder econômico e candidatos dão-se principalmente por interesses corporativos/empresariais e não do cidadão individualizado. Portanto, em boa medida o problema da corrupção estaria sendo combatido se empresas não pudessem ajudar no financiamento de campanhas eleitorais. Isso diminuiria o risco de corrupção eleitoral/política e a influência do poder econômico nas campanhas. Também faria com que partidos e candidatos tivessem que buscar recursos nas bases eleitorais verdadeiras, compostas por aqueles com título de eleitor registrado oficialmente. Porém, é verdade que o trabalho de representação pública seria mais penoso e arriscado para as elites políticas.

Portanto, para concluir, parece-me que o debate sobre fontes de financiamento não está bem colocado. Se, por um lado, é verdade que o financiamento público exclusivo atrapalha mais do que ajuda, falta-nos discutir se a participação de pessoas jurídicas como fontes privadas não causam ainda mais danos ao sistema do que o compartilhamento da "conta" entre doações diretas e indiretas do poder público e do eleitor individualizado.

Emerson Urizzi Cervi é cientista político da UFPR.

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