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Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios, em Brasília
Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios, em Brasília.| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Em teoria, políticas públicas são adotadas quando ajudam seus favorecidos mais do que prejudicam os perdedores. Exemplo? O Bolsa Família que beneficia muitos a um custo baixo. Será que governos são sempre tão eficientes assim? Infelizmente, em poucos casos. Como sabemos, não são apenas mercados que, às vezes, falham em alocar os recursos de forma eficiente. Governos também falham.

Eis um exemplo devido ao professor Eric Rasmusen. Suponha que duas políticas estejam em pauta nas eleições. Na primeira, prevê-se um custo de R$ 100 para um milhão de eleitores. Outros mil ganham R$ 2 milhões cada. É verdade que, no agregado, a política tem um benefício líquido elevado (R$ 2 bilhões menos R$ 100 milhões). A segunda tem um desenho distinto. Nela, um milhão de cidadãos tem uma perda bem menor: cada um perde R$ 1. Por outro lado, mil cidadãos ganham R$ 200 cada. O detalhe é que ela gera uma perda líquida (R$ 200 mil menos R$ 1 milhão). Em uma votação, os eleitores preferirão perder R$ 1 do que R$ 100 e, assim, a chance da segunda proposta vencer é muito alta.

O amor dos políticos pela Ciência nunca suplanta seu amor pelos votos (a menos que ela os favoreça, certo?).

Esse exemplo tem a virtude de, em sua simplicidade, mostrar que políticas e regulações adotadas por governos podem ser ineficientes desde seu desenho. Por isto, um avanço foi a disseminação das avaliações de políticas públicas ou de impacto regulatório, que tentam evitar que propostas que gerem perdas líquidas sejam levadas adiante. Ou seja, a escolha de políticas públicas deve ser baseada em evidências. Vale notar que nem sempre tais avaliações são realizadas. Além disso, as intervenções geram frequentemente consequências não intencionais, ou seja, as intervenções podem ter impactos (positivos ou negativos) não planejados por aqueles que as implementam.

Há, claro, políticas que são avaliadas como ineficientes após sua implementação. O caminho natural é que essas políticas sejam extintas (ou, na melhor das hipóteses, fortemente revisadas e reavaliadas com o mesmo rigor posteriormente). O problema, nesses casos, é que nem sempre a sociedade consegue se livrar dessas políticas. A mesma democracia que é o menos ruim dos regimes também estimula a adoção de políticas ineficientes. Como? Voltemos ao exemplo.

Eleitores beneficiados com a política ineficiente pressionam seus representantes para que esta não seja, jamais, descontinuada. Estes, por sua vez, tenderão a ignorar avaliações por mais tecnicamente impecáveis que elas sejam em prol de seus objetivos eleitorais (reeleição ou eleição de seus candidatos). Sugerem até que avaliações cientificamente impecáveis são “frias, baseadas em números”’ ou que “a política pública tem um lado social, humano, que não pode se limitar a conceitos (ultrapassados?) como o da eficiência econômica”. O amor dos políticos pela Ciência nunca suplanta seu amor pelos votos (a menos que ela os favoreça, certo?).

Por sua vez, o mercado de avaliadores de políticas (os cientistas), como qualquer outro, também responde aos incentivos e, se a maioria dos políticos não deseja que as avaliações prejudiquem seus bolsões eleitorais, alguns avaliadores responderão fazendo avaliações de menor qualidade técnica, mas cheias de bela retórica, sacrificando, eles mesmos, a cientificidade da análise. Não é um risco desprezível, como temos visto em discussões, por exemplo, sobre a política monetária. Caso a ciência (inconsistência dinâmica de políticas) indique ser a política X a adotada (Banco Central independente) e se, digamos, eu me elegi com a proposta Y (gastar muito e reduzir juros), então acusarei os defensores de X de “negacionistas”.

É claro que ter regras do jogo que não mudam durante a partida ajuda um pouco na defesa do trabalho dos honestos avaliadores ou dos estadistas (termo que usamos para denominar os políticos que realmente pensam um pouco mais na sociedade do que em seus votos). É difícil mudar esta realidade, mas pode-se minimizar o problema. O primeiro passo é deixar a negação de lado: nós (os eleitores) devemos aceitar que governos falham. E muito.

Claudio Shikida é professor do Ibmec-BH; Ari Araujo Jr. é coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec-BH.

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