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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Seria redundante falar das consequências, dos resultados e aflições causados pela greve dos caminhoneiros e suas reivindicações classistas. Mas ainda vale a pena tratar dos pedidos dessa categoria profissional e fazer uma análise do impacto das medidas provisórias editadas no afã de encerrar o movimento grevista.

É interessante verificar que há uma pluralidade de associações, sindicatos e grupos que se autodenominaram legítimos representantes dos caminhoneiros paralisados, e o site O Antagonista trouxe uma lista de pautas. São reivindicações claramente classistas, com interesse específico de uma categoria profissional, buscando que o Estado interfira no livre mercado. Para conseguir encerrar a greve, o governo federal editou seis medidas provisórias: 831, 832, 833, 836, 838 e 839.

A primeira delas, a MP 831, trata de acrescentar o artigo 19-A na Lei Federal 8.029/1990, o qual permite à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) dispensar procedimento licitatório para até 30% da demanda anual de frete obedecendo a alguns critérios (se contratado for cooperativa, entidade sindical ou associação de transportadores), podendo ainda, segundo meu entendimento, contratar acima do porcentual definido com dispensa de licitação, de acordo com o caput.

A MP 832 institui uma Política de Preços Mínimos de Transporte Rodoviário de Cargas, ou seja: a relação de livre negociação entre o caminhoneiro e o contratante do frete, que antes seguia indicações do livre mercado, agora está triangulada entre contratante, motorista e Estado, sendo que o valor do frete será definido pelo Estado (no caso, uma burocracia, com vigência semestral e publicação em 20 de janeiro e 20 de julho) e claramente compulsório. No caso de descumprimento pelo contratante, este deverá pagar o dobro do valor devido descontado o valor já pago (há, portanto, uma pesada penalização para o contratante no caso de descumprimento).

Em nenhum momento qualquer anseio popular foi atendido, mas apenas o de um grupo

A MP 833 traz a isenção de pedágio para veículos de transporte de carga, quando estiverem com eixos suspensos, sendo que a isenção de cobrança de pedágio alcança rodovias federais, estaduais e municipais, com impacto nas receitas que certamente deverá ser repassado aos demais consumidores e até aos próprios caminhoneiros que não estejam com eixo suspenso. Certamente haverá consequências para os demais consumidores, pois as empresas concessionárias de pedágio não terão candura no coração, aceitando o prejuízo sem repassá-lo aos demais.

A Medida Provisória 836 trata da revogação de dispositivos de duas leis federais (10.865/2004 e 11.196/2005), que tratam de alíquotas de importação de produtos (etano, propano e butano destinados à produção de eteno e propeno e de nafta petroquímica e de condensado destinado a centrais petroquímicas e de outros itens), zerando a alíquota da contribuição PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação.

A Medida Provisória 838 traz a subvenção econômica feita pelo governo federal para subsidiar o preço do diesel, sendo que o governo adotou uma fórmula no mínimo curiosa: subvenção de R$ 0,07 por litro de combustível diesel até o dia 7 de junho, e subvenção de R$ 0,30 por litro de 8 de junho até 31 de dezembro. Para o custeio dessa subvenção, foi estimado crédito de R$ 9,5 bilhões.

Por fim, a Medida Provisória 839 trata da abertura de crédito extraordinário no valor de R$ 9,58 bilhões em favor do Ministério de Minas e Energia e do Ministério de Defesa, em razão da subvenção do preço do diesel disposto na MP 838 e em razão dos custos para as operações de Garantia da Lei e da Ordem realizadas pelas Forças Armadas.

Bruno Garschagen: Minha breve experiência como caminhoneiro (5 de junho de 2018)

Leia também: Falsos deuses (editorial de 3 de junho de 2018)

O teor das MP é claramente classista, ao contrário do que foi amplamente divulgado na imprensa ou ainda em mídias sociais. Os interesses que motivaram a greve dos caminhoneiros são os de um setor específico da economia. Muito embora se trate de um segmento importante, as consequências jurídicas, notadamente a edição das MPs, classificam o movimento e suas reivindicações como específicas de um grupo de pressão, assim definido por Ludwig Von Mises em As seis lições: “Um grupo de pressão é um grupo de pessoas desejoso de obter um privilégio à custa do restante da nação. Esse privilégio pode consistir numa tarifa sobre importações competitivas, pode consistir em leis que impeçam a concorrência de outros. Seja como for, confere aos membros de um grupo uma posição especial. Dá-lhes algo que é negado, ou deve ser negado – segundo os desígnios do grupo de pressão – a outros grupos”.

Os grupos grevistas utilizaram-se de táticas midiáticas com lemas claramente ufanistas – “Somos todos caminhoneiros”, “Agora é pelo Brasil” –, buscando cativar a opinião pública, o que efetivamente ocorreu com inúmeras manifestações pelo Brasil. Mas, observando-se minimamente a pauta de reivindicações, fica claro que a pauta era a de uma categoria específica, levando à reação do governo federal ao editar seis MPs no afã de acalmar a fúria da boléia. Em nenhum momento qualquer anseio popular foi atendido, mas apenas o de um grupo, seja criando subvenção para o preço do diesel, seja para criação de reserva de mercado da categoria, seja ainda regulamentando a livre negociação do frete onde antes imperava o livre mercado.

Antes de apoiar uma “pauta nacional” promovida por uma categoria profissional, tenhamos a devida cautela de ler o que os manifestantes propõem e reflitamos não sobre a justiça das reivindicações, mas sobre se ela afeta apenas uma categoria e se prejudica uma maioria. Neste último caso, vale a dica: “Fuja, Bino, é uma cilada!”

Juliano Rafael Teixeira Enamoto é procurador da Câmara Municipal de Sapezal (MT).
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