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A escalada militar entre Israel e Irã, em junho de 2025, não foi apenas mais um capítulo da longa rivalidade entre as duas potências. Ela revelou, com clareza brutal, que os conflitos do século XXI são travados também pelo domínio dos minerais estratégicos que alimentam tecnologias sensíveis, entre eles os Elementos de Terras Raras (ETRs), como neodímio (Nd), disprósio (Dy), lantânio (La), cério (Ce), térbio (Tb) e itérbio (Yb).
Os bombardeios israelenses às instalações de Natanz, Fordow e Isfahan atingiram centros ligados diretamente à cadeia de pesquisa, desenvolvimento e aplicação de sistemas militares que fazem uso intenso desses Elementos de Terras Raras. O neodímio e o disprósio, por exemplo, são essenciais para a fabricação de ímãs permanentes utilizados em mísseis teleguiados, drones, torretas de rastreamento e sistemas de laser de alta precisão. Já o cério e o lantânio são empregados na purificação de fluidos radioativos, em lentes ópticas de alta performance e em catalisadores para veículos militares.
A guerra entre Irã e Israel deve servir como alerta. Os conflitos modernos são cada vez mais travados por controle de insumos invisíveis, mas essenciais: os minerais críticos do século XXI
Israel, por sua vez, tem nos ETRs a base material de seus principais sistemas de defesa, como o Iron Dome e o David’s Sling, que utilizam sensores infravermelhos, radares de banda larga e atuadores eletromagnéticos dependentes de compostos como itérbio e térbio, aplicados em ligas metálicas de alta resistência e em detectores térmicos. A manutenção da eficácia desses sistemas exige uma cadeia de suprimentos sofisticada e segura, fator que ajuda a explicar o interesse crescente de Israel em firmar parcerias com países produtores e refinadores desses materiais.
O Irã, ciente de sua vulnerabilidade tecnológica, tem buscado autonomia também no campo mineral, em especial de ETRs. Desde 2021, investe na exploração de jazidas de monazita e bastnasita nas províncias de Yazd, Kerman e Lorestan, que contêm altas concentrações de lantanídeos leves e pesados. Estudos da Iranian Geological Survey indicam que o país poderá atingir, até 2030, uma produção regular de compostos como óxidos de neodímio, praseodímio e gadolínio (Gd) — este último utilizado em sistemas de blindagem eletromagnética e em reatores nucleares de potência média.
No tabuleiro geopolítico, a rota do Estreito de Ormuz cumpre um papel fundamental. Por ali trafegam cargas com terras raras oriundas da Índia, Mianmar e Tanzânia, com destino a polos tecnológicos como Europa e Israel. Um bloqueio ou sabotagem nesse corredor compromete diretamente o fornecimento de elementos críticos para a indústria 4.0, para as turbinas eólicas (que utilizam ímãs de NdFeB – neodímio-ferro-boro) e para os carros elétricos, que dependem de motores com ítrio (Y), disprósio (Dy) e hólmio (Ho).
O conflito mostra que a nova geopolítica não se dá apenas com petróleo ou ogivas, mas com óxidos de terras raras e metais de transição estratégica. A China, por exemplo, domina 85% da capacidade mundial de refino desses elementos ETRs e 63% da produção, segundo o USGS (United States Geological Survey). Pequim usa essa vantagem como instrumento de pressão econômica e geopolítica — algo que o Irã tenta imitar em menor escala e que Israel busca contornar por meio de acordos bilaterais e investimentos em alternativas africanas e latino-americanas.
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Nesse cenário, o Brasil surge como potência latente. Detentor de reservas estimadas em mais de 21 milhões de toneladas de óxidos de terras raras, nosso país segue exportando areia monazítica sem agregação de valor, perdendo a oportunidade de desenvolver uma cadeia tecnológica nacional baseada em ETRs estratégicos como európio (Eu), túlio (Tm) e escândio (Sc) — elementos raros e valiosíssimos para a indústria aeroespacial, nuclear e de comunicação ótica.
A guerra entre Irã e Israel deve servir como alerta. Os conflitos modernos são cada vez mais travados por controle de insumos invisíveis, mas essenciais: os minerais críticos do século XXI. A ausência de uma política nacional robusta de exploração, refino, aplicação e estocagem estratégica de ETRs pode manter o Brasil na condição de fornecedor bruto em um mundo em que quem controla os elementos da tabela periódica, controla também o futuro da indústria, da defesa e da soberania.
Nelio Fernando dos Reis é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP.



