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A atual escalada militar no Oriente Médio representa uma virada histórica com potencial disruptivo para a segurança internacional e a economia global. Na manhã deste sábado, 21 de junho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a realização de um ataque preventivo contra três instalações nucleares iranianas – Fordow, Natanz e Isfahan. Executado por bombardeiros estratégicos B-2 equipados com armamento de alta penetração, o ataque foi classificado por Washington como cirúrgico e bem-sucedido. No entanto, do ponto de vista jurídico e geopolítico, a ação representa uma clara violação do Direito Internacional, à luz do Artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas, ao lançar mão da força sem autorização do Conselho de Segurança ou de autodefesa imediata comprovada.
Em resposta direta, o Parlamento do Irã aprovou o fechamento do Estreito de Ormuz, uma das rotas mais estratégicas do mundo, por onde transita cerca de 20% de todo o petróleo comercializado globalmente. A medida ainda precisa do aval do Conselho Supremo de Segurança Nacional e da autoridade máxima do país, o aiatolá Ali Khamenei. Trata-se de uma retaliação sem precedentes que, se implementada, poderá paralisar o fluxo de energia do Golfo Pérsico e provocar um choque global nos mercados de petróleo, com o barril tipo Brent podendo alcançar valores entre US$ 120 e US$ 130, segundo estimativas de bancos internacionais como o JPMorgan.
O futuro imediato dependerá da natureza das próximas retaliações iranianas, da capacidade de dissuasão dos EUA e Israel, e da mediação possível por atores como China, Rússia e países do Golfo. Mas o que já é certo: a arquitetura global de segurança está em xeque
Esse desenrolar é fruto de um processo de deterioração prolongada da segurança regional no Oriente Médio, catalisado pelo ataque do Hamas a Israel em outubro de 2023 e pela subsequente ofensiva israelense em Gaza. Desde então, o Irã passou a adotar uma postura mais confrontacional, intensificando seu apoio a atores como Hezbollah, Houthis e outras milícias aliadas. O ponto de ruptura, no entanto, foi alcançado com os ataques diretos de Israel a território iraniano, que resultaram em mais de 400 mísseis lançados por Teerã contra Israel — ataques que, embora parcialmente contidos, foram os mais intensos já realizados diretamente entre os dois Estados.
A entrada dos EUA nesse conflito no Oriente Médio marca uma ruptura com a doutrina da contenção indireta que historicamente balizou a atuação americana na região. Com cerca de 40 mil militares americanos alocados em bases no Golfo, incluindo Bahrein, Catar, Emirados Árabes, Kuwait e Iraque, Washington assume agora o risco de abrir múltiplas frentes de vulnerabilidade. O Irã, mesmo enfraquecido, possui meios de retaliação assimétrica que podem incluir ataques a essas bases, a aliados regionais e a ativos estratégicos de Israel e EUA em outros continentes.
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Do ponto de vista sistêmico, o episódio reforça a falência progressiva do sistema multilateral, incapaz de conter a escalada do conflito no Oriente Médio. O Conselho de Segurança da ONU permanece inoperante, travado por vetos e interesses geopolíticos conflitantes. China e Rússia já reagiram à ofensiva americana com duras críticas e convocaram reuniões emergenciais, destacando os riscos de uma conflagração maior e alertando para a necessidade urgente de reverter a lógica da guerra por meio do retorno à via diplomática.
Como professor e pesquisador das dinâmicas internacionais, destaco que vivemos um momento liminar. O mundo assiste à desconstrução de normas fundacionais do pós-guerra, como a proibição do uso da força, o princípio da soberania e o respeito ao direito de passagem em estreitos internacionais, conforme consagrado pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS). Estamos, possivelmente, diante do prelúdio de uma nova era geopolítica — marcada menos pelo equilíbrio e mais pela imprevisibilidade.
O futuro imediato dependerá da natureza das próximas retaliações iranianas, da capacidade de dissuasão dos EUA e Israel, e da mediação possível por atores como China, Rússia e países do Golfo. Mas o que já é certo: a arquitetura global de segurança está em xeque — e o mundo, perigosamente próximo de um ponto de não retorno.
João Alfredo Nyegray é professor de Negócios Internacionais e Geopolítica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).



