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O impacto dos votos dos evangélicos na eleição presidencial no Brasil
| Foto: Unsplash

A eleição presidencial no Brasil se aproxima e são vários os cenários traçados por analistas e estudiosos no assunto. Entretanto, uma pergunta comum que surge em grande parte das análises é: qual a importância dos votos dos evangélicos nas urnas no próximo dia 2 de outubro? Quem não estava em outro planeta nos últimos meses conseguiu observar matérias, notícias, artigos, propostas de candidatos, falas e posturas buscando atingir esse público, mas por quê?

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 1940 os evangélicos representavam 2,6% da população do Brasil, cerca de 1 milhão dos mais de 41 milhões de habitantes. Em 1970, esse percentual dobrou e os protestantes representavam então 5,2% de uma população que contava com cerca de 93 milhões de indivíduos: quase 5 milhões de evangélicos. No recenseamento de 1991, quando a população brasileira registrava quase 147 milhões de nacionais, os evangélicos representavam 9% da mesma, ou seja, pouco mais de 13 milhões.

Fica claro que quem conseguir maior apoio desse eleitorado evangélico, terá uma boa vantagem na disputa para governar o Brasil pelos próximos quatro anos.

Já no censo da virada do milênio realizado no ano 2000, a situação de crescimento dos protestantes continuou: 15,6% dos pouco mais de 166 milhões de brasileiros, totalizando quase 26 milhões de pessoas. Por fim, último, e há muito defasado, censo do IBGE de 2010, confirmou a tendência de evolução desse grupo populacional, e apontou cerca de 42 milhões de evangélicos no Brasil, o que correspondia a 22,2% dos 190 milhões de brasileiros.

Quando trazemos esses dados para o campo eleitoral, vemos que, por exemplo, a pesquisa Datafolha divulgada em 2 de setembro de 2022, aponta o percentual de pesquisados declarando-se como evangélicos em 26%, o que condiz com o padrão exposto na série histórica dos censos do IBGE. Embora reduzida, a amostragem da pesquisa eleitoral é importante para se traçar o seguinte paralelo: se levarmos em consideração o número de 26% de evangélicos, e a quantidade de brasileiros aptos a votar (mais de 156 milhões), podemos imaginar um cenário no Brasil com mais de 40 milhões de eleitores evangélicos. É muita gente: são 40 milhões de votos dos evangélicos.

Observemos os números das eleições de 2018: no turno decisivo, o atual presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) chegou a quase 58 milhões de votos, enquanto seu principal rival, Fernando Haddad (PT) logrou pouco mais de 47 milhões. Uma diferença de cerca de 11 milhões de eleitores.

Desconsiderando todos os demais inúmeros fatores que atuam em um cenário como esse e analisando apenas os dados anteriormente expostos, percebemos que 40 milhões de votos dos evangélicos podem, sim, fazer toda a diferença na próxima eleição presidencial. O grande debate reside em como movimentar essa massa de eleitores entre os dois polos da disputa. Fica claro que quem conseguir maior apoio desse eleitorado, terá uma boa vantagem na disputa para governar o Brasil pelos próximos quatro anos.

Em qualquer área de nossa vida, uma maior eficiência se dá com o máximo de resultados despendendo o menor esforço. Na política não é diferente: embora o alvo seja o indivíduo, uma maior eficiência se dá ao atingir esse alvo em blocos. E quando pensamos nos diversos segmentos da sociedade brasileira, um dos blocos sociais mais organizados, e com grande poder de influência são os evangélicos. E quando falamos em “maior poder de influência” não nos referimos especificamente na relação dos líderes com os liderados, mas na capacidade que esses liderados têm em arregimentar correligionários para a sua causa.

Ora, não é à toa que o povo evangélico tem crescido tanto ao longo da história, pois fazem algo que nenhum outro grupo jamais fez tão bem: o proselitismo. Proselitismo (do grego prosélytos) é um termo que se popularizou durante os primeiros anos do cristianismo e era designado ao ato de busca de adeptos à nova religião. O “povo do caminho” buscava incessantemente convencer pessoas e povos sobre a mensagem de salvação que acreditavam piamente possuir.

Entretanto, quando no ano de 384 a.D., em função do Edito da Tessalônica, de Teodósio Magno, o cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano, o proselitismo perde em muito o seu status fundamental, pois, a partir de então, o crescimento da religião cristão se deu de forma muito mais fácil: as crianças já nasciam cristãs e os adultos converteram-se sem dificuldades à religião do império.

Assim surgiu o catolicismo romano, com pouco caráter proselitista, que só foi visto novamente apenas posteriormente, quando da catequese dos povos descobertos durante o período das grandes navegações. Tal situação permaneceu até o século XVI, quando o proselitismo ganha novos contornos com o advento da Reforma Protestante. Os ensinamentos protestantes eram reprimidos pelas autoridades eclesiásticas-estatais, mas por meio de discurso articulado e eficaz os reformadores conseguiriam alcançar novos prosélitos dispostos a arriscar a própria vida por sua causa. Desta forma, vemos que faz parte da raiz protestante/evangélica o discurso na busca do convencimento de outras pessoas a suas crenças.

Além do forte caráter proselitista, outra característica dos evangélicos que chama a atenção é a grande capacidade de articulação. Embora poucas igrejas possuam uma autoridade nacional que exerça o comando máximo sobre a sua denominação, as recomendações dadas pelos líderes maiores, desde que fundamentadas e correspondentes aos princípios bíblicos e morais seguidos pela igreja, são prontamente atendidas. Um líder sindical ou o presidente de uma grande empresa, ambos em âmbito nacional, têm muito mais dificuldade de comunicar com o seu liderado “na ponta da linha” do que um líder evangélico na mesma escala.

Os evangélicos acordaram. Tomaram consciência de seu potencial político e agora pedem espaço nas discussões sobre o destino do país.

Por fim, outra característica que destaca os evangélicos é o seu forte engajamento por suas causas. Não existe evangélico “não praticante”. No mínimo, todos os domingos ele está na sua igreja frequentando as reuniões. É da natureza do protestante ser ativo, envolvido, empolgado com as pautas que defende. Somem-se a isso os números acima citados e temos no povo evangélico um verdadeiro canhão eleitoral. Ninguém pode desprezar o poder de votos dos evangélicos.

Obviamente que os grandes caciques da política brasileira já se atentaram a esses fatos, sobretudo nos últimos anos, por isso, cada dia torna-se mais comum observarmos termos como o “voto evangélico” ou "votos dos evangélicos". Apesar disso, não são poucas os exemplos de pessoas das classes política, artística e intelectual que menosprezam a sua capacidade crítica dos evangélicos. Nos últimos meses temos visto manifestações de pessoas que se sentem mais inteligentes e capazes, querendo pensar pelos protestantes. Uma elite que odeia a Bíblia e que pouco a conhece, cita textos das Escrituras para tentar embasar seus argumentos, desprezando o fato de que o evangélico, via de regra, lê e estuda as escrituras diariamente. Intelectuais que não entendem que as pautas progressistas e revolucionárias afastam o protestante, que tem sua base voltada para a ética judaico-cristã, formada desde a mais tenra idade nas escolas bíblicas dominicais.

Por considerar ignorantes aqueles que seguem princípios pautados nos ensinamentos bíblicos, essa elite intelectual brasileira buscou afastar os protestantes dos espaços públicos. Estes, por sua vez, jamais buscaram ascender aos locais de poder, justamente por considerar estes sujos demais para si. Entretanto, nos últimos anos temos visto, inclusive pelo crescimento populacional, uma presença cada vez maior de reformados em espaços de importância. Imaginaríamos ter um ministro da Suprema Corte “terrivelmente evangélico”? Uma primeira-dama que promove cultos no palácio do Planalto? Uma ex-ministra da Mulher contrária ao aborto? Uma frente parlamentar evangélica atuante no Congresso Nacional?

Os evangélicos acordaram. Tomaram consciência de seu potencial político e agora pedem espaço nas discussões sobre o destino do país, fatos confirmados pela última pesquisa Datafolha, que mostra que 69% dos evangélicos entrevistados deseja que política e religião andem juntas. E ao contrário do que pensa boa parte da elite brasileira, isso não se dá pelo desejo dos protestantes em fomentar uma teocracia, mas para evitar que uma minoria barulhenta transforme o Estado laico brasileiro em um Estado ateu, mesmo tendo a avassaladora maioria de sua população como cristã. E esse pode ser o fator fundamental que decidirá quem será o próximo presidente do Brasil. Os votos dos evangélicos vão ajudar a decidir os rumos do país.

Ezequiel Silveira, advogado, é membro do Grupo de Estudos Constitucionais e Legislativos (GECL) do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR).

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