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O tema do impeachment presidencial entrou na ordem do dia em razão das inúmeras e repetidas manifestações pedindo que ele seja aplicado à presidente Dilma Rousseff. O pleito popular gerou de imediato reação por parte da esquerda brasileira, que tentou tachar o instituto como uma forma de golpismo. Porém, embora legítimo que os grupos apoiadores do governo defendam que a atual presidente não deva sofrer um impeachment, é descabido vincular o instituto – típica e importante concretização de um modelo democrático republicano – a qualquer ideia de golpe.

Com efeito, o impeachment presidencial é uma sanção aplicável ao presidente da República com previsão expressa na Constituição Federal, consistindo na perda do cargo, com consequente inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis – por exemplo, condenação a ressarcir eventual prejuízo que tenha causado.

A sanção é aplicada após submissão do presidente da República a um processo com todas as garantias de defesa, sob um tribunal político constituído pelos senadores, presididos pelo presidente do STF. A condenação depende do voto favorável de dois terços dos julgadores. Além disso, o processo só pode ser deflagrado após aprovação pela Câmara por uma maioria igualmente qualificada.

O que enseja tal processo é a prática, pelo presidente da República, de um “crime” de responsabilidade – apesar do termo “crime”, trata-se de uma infração político-administrativa. Não implica em pena de prisão, mas apenas na sanção política de perda do cargo. As condutas configuradoras de crime de responsabilidade (entre as quais estão os atos contra a probidade na administração) estão delineadas em conceitos abertos na Constituição, de modo a permitir uma análise mais ou menos ampla pelo parlamento, cujos membros representam o povo.

É descabido vincular o impeachment – típica e importante concretização de um modelo democrático republicano – a qualquer ideia de golpe

É importante deixar claro que, embora o Congresso goze de certa liberdade na análise quanto ao cabimento do processo, na condução do trâmite e na aplicação ou não da pena, essa liberdade não é absoluta. Todas as fases do processo estão sujeitas a controle de legalidade pelo STF, o qual – ressalte-se – é composto por membros nomeados pelo presidente da República. Assim, embora o STF não possa adentrar no mérito das decisões, ele pode, caso provocado, anular atos ilegais ou abusivos, garantindo todos os direitos constitucionais ao processado.

Diante desses dados, já é perfeitamente claro que o impeachment está longe de ser um golpe. De fato, “golpe”, por definição, é uma medida sem fundamento constitucional, imposta por meio da força e não pelo direito, mediante um devido processo. Ora, o impeachment é um instituto amparado na Constituição e aplicado por um órgão republicano e democrático (o parlamento), balizado pelas garantias constitucionais. Logo, o impeachment não é uma forma de golpismo.

Além disso, o impeachment não é um “terceiro turno”. Com o impeachment, quem assume a Presidência não é o candidato derrotado, mas o vice-presidente, tão democraticamente eleito quanto o titular, pois o eleitor não vota em uma pessoa, mas em uma chapa, constituída também pelo vice.

Na verdade, o impeachment é um instrumento de tutela da probidade e de responsabilização do gestor ímprobo. Logo, mecanismo de concretização do sistema democrático e republicano.

André Borges Uliano é procurador da República.
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