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Em um país onde as desigualdades ainda começam na infância, cada real investido em projetos sociais, culturais e esportivos para crianças e adolescentes é um tijolo na construção do futuro. As leis de incentivo, como a Lei Rouanet, a Lei de Incentivo ao Esporte e os Fundos da Infância e Adolescência (FIA), são pontes entre o poder público e a iniciativa privada que, quando bem usadas, convertem o que seria apenas imposto em oportunidades concretas. São mecanismos capazes de transformar recursos fiscais em cultura, arte, esporte, autoestima e cidadania para milhares de jovens que, de outro modo, estariam à margem.
Nos últimos doze meses, esses programas vêm mostrando sua força. Só pela Lei de Incentivo ao Esporte, mais de R$30 milhões foram captados em projetos voltados à formação esportiva de base, beneficiando cerca de 50 mil crianças e adolescentes em todo o país. Iniciativas como o “De Peito Aberto” levaram esporte, educação e cultura a jovens entre 7 e 17 anos, em mais de 30 cidades brasileiras, provando que incentivo fiscal não é gasto, é investimento social de retorno mensurável. Da mesma forma, o projeto “O Esporte é Para Todos”, apoiado pelo BRDE, alcançou aproximadamente 2 mil alunos, democratizando o acesso ao esporte em regiões com poucas opções de lazer e convivência segura.
Não se trata de filantropia, mas de inteligência social e econômica. Transformar impostos em impacto, e incentivos fiscais em futuro, é uma das formas mais concretas de mudar o destino de uma geração
Na cultura, os efeitos são igualmente expressivos. O Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet e das novas instruções normativas (como a IN nº 23/2025), tem ampliado o alcance de projetos infantis, aprovando espetáculos teatrais, musicais e literários destinados à formação do público infanto-juvenil. Em São Paulo, o ProAC ICMS vem apoiando obras e festivais voltados ao universo infantil, enquanto estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul mantêm editais próprios de fomento a atividades culturais e esportivas que atendem diretamente a esse público. O Projeto Guri, por exemplo, símbolo da educação musical pública paulista, é sustentado há anos por esses mecanismos: oferece mais de 70 mil vagas anuais e já beneficiou mais de 1 milhão de jovens desde sua criação, consolidando-se como um dos maiores programas socioculturais do país.
No campo dos Fundos da Infância e Adolescência (FIA), a capilaridade é ainda mais reveladora. Diversos estados como Santa Catarina, Minas Gerais e o Distrito Federal, abriram novos editais em 2025, com dezenas de projetos aprovados nas áreas de educação, saúde, cultura e convivência familiar. A lógica é simples e poderosa: pessoas físicas podem destinar até 6% do Imposto de Renda a esses fundos, e empresas tributadas pelo lucro real podem alocar até 1% do IR devido, sem qualquer custo adicional. Mesmo assim, a adesão ainda é tímida: menos de 1% dos contribuintes utilizam essa possibilidade. É um desperdício silencioso de potencial transformador.
O impacto desses programas vai muito além das planilhas. Projetos incentivados reduzem a evasão escolar, aumentam o engajamento comunitário e fortalecem a autoestima de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. O investimento social não apenas transforma a vida de quem participa, mas também movimenta a economia local, cria empregos, dinamiza cadeias culturais e forma novos agentes sociais.
Entretanto, o desafio é garantir que essa engrenagem chegue onde é mais necessária. Ainda há gargalos técnicos, excesso de burocracia e falta de informação que impedem que muitos municípios utilizem plenamente os recursos disponíveis. É urgente ampliar a capacitação de proponentes, simplificar processos e fortalecer a transparência na divulgação dos resultados. Só assim será possível acompanhar de perto quantas crianças são beneficiadas, quais indicadores melhoram e como cada projeto contribui para reduzir desigualdades estruturais.
A relevância dessas iniciativas é evidente: quando uma empresa destina parte do imposto a um projeto infantil, ela não está apenas patrocinando uma atividade; está construindo cidadania, prevenindo vulnerabilidades e gerando oportunidades. Cada espetáculo infantil financiado, cada oficina esportiva aberta, cada coral ou grupo de teatro formado é um investimento coletivo na infância brasileira, a mais potente, e também a mais negligenciada, força de transformação social.
Se o Brasil quer crescer de forma sustentável, precisa transformar essas leis em política de Estado e estimular a sociedade a participar ativamente. Não se trata de filantropia, mas de inteligência social e econômica. Transformar impostos em impacto, e incentivos fiscais em futuro, é uma das formas mais concretas de mudar o destino de uma geração.
Vanessa Pires, mestre em Gestão e Estratégia e doutoranda em Engenharia, é CEO da Brada.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



