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| Foto: Kevin Lim/AFP

“A guerra dá a paz sua segurança”. É pelo espectro da batalha, graças aos sofrimentos e perdas dos embates, que se valoriza e espera pelos tempos pacíficos. A frase de Tucídides sobreviveu ao passar dos anos e pode aplicar-se aos nossos dias, mesmo vinda da Antiguidade. Uma possível razão pela qual o pensamento do grego nunca perdeu sua aplicabilidade é a constância das hostilidades e conflitos no decorrer da história humana. O último século, por exemplo, viu não apenas um, mas vários genocídios – nos quais a humanidade foi desafiada pelas mais diversas barbáries e regimes totalitários.

Esse é, sem dúvidas, um dos motivos pelos quais a reunião entre Donald Trump e Kim Jong-un chamou tanto a atenção do mundo. Estados Unidos e Coreia do Norte nunca tiveram boas relações e, desde 2017, uma afiada troca de farpas entre os líderes de ambas as nações tornava ainda mais nebuloso o futuro. Era longínqua a possibilidade do encontro dos dois líderes. Mas, ainda assim, aconteceu.

O que resta saber é se o acordo será cumprido

De um lado, Kim Jong-un, terceiro líder supremo da Coreia do Norte. Um jovem ditador de idade incerta, estimada entre 34 e 36 anos. Do outro, Donald John Trump, 45.º presidente dos Estados Unidos, com ampla carreira midiática e empresarial. Aos 72 anos, Trump é uma personalidade controversa. Envolto em escândalos das mais diversas ordens, proferidor de afirmações bastante questionáveis – seja a respeito das mulheres, seja sobre imigrantes, seja em relação a outros países aos quais já se referiu como “shithole countries” (“países de merda”) –, o presidente norte-americano está longe de ser uma unanimidade. Há aqueles que o elogiam pelas promessas de campanha e modus operandi, há aqueles que o criticam pelo conjunto da obra.

Seja como for, é inegável que a reunião de 12 de junho foi histórica. Após horas juntos, Trump e Kim assinaram um acordo composto por quatro pontos principais: comprometimento de relações pacíficas entre os países, manutenção de esforços conjuntos para a paz na Península Coreana, desnuclearização da Coreia do Norte e a recuperação dos restos mortais dos prisioneiros de guerra. O que se percebeu foram muitos sorrisos, longos apertos de mão e trocas de elogios ao ocorrido. O que resta saber é se o acordo será cumprido.

Não é muito difícil manter-se cético à desnuclearização. Em outros momentos da história, a Coreia do Norte também buscou aproximar-se do vizinho do Sul e do resto do mundo, voltando atrás logo em seguida. No entanto, dessa vez há algumas diferenças que merecem destaque. A primeira delas é bastante simbólica: a participação de ambas as Coreias juntas nos Jogos Olímpicos de Inverno. A segunda ocorreu em abril deste ano, quando o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, encontrou-se pessoalmente com Kim Jong-un em Pyongyang para discutir o encontro com Trump, as relações com a Coreia do Sul e os testes nucleares. A terceira, também em abril, foi o encontro entre o líder norte-coreano com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in.

Leia também: Como o encontro de Trump e Kim nos afastou da iminência de uma guerra (artigo de Victor Cha, publicado em 13 de junho de 2018)

Flavio Gordon: A regra de ouro de Gioconda Brasil: Trump e a imprensa brasileira (13 de junho de 2018)

Seguramente, há razões para ter esperança. Críticos do encontro afirmam que Trump pode ter “homologado” um dos regimes mais sanguinários da atualidade. Outros mantêm-se receosos pela falta de metas, datas e prazos. De certa forma, pode-se compartilhar um pouco das últimas apreensões. Por outro lado, no entanto, é inegável que a reunião foi capaz de diminuir um pouco da tensão naquela região do mundo, o que já é por si só um feito louvável.

Por fim, como todos sabemos, falta de tudo na Coreia do Norte. De alimentos a medicamentos, de tecnologias a itens básicos do Ocidente. Mesmo assim, as restrições e sanções comerciais permanecem. Trump afirmou que as sanções serão removidas “quando tivermos certeza de que as armas nucleares não são mais um fator [de risco]”. Esse processo pode levar tempo. E certamente levará. Mesmo assim, o jovem ditador pode entrar para a história como o líder que exterminou não apenas seus opositores, mas também a fome e a miséria de seu povo. Só nos resta esperar.

João Alfredo Lopes Nyegray, doutorando em Estratégia, é mestre em Internacionalização, advogado e formado em Relações Internacionais. É professor dos cursos de Relações Internacionais, Comércio Exterior, Administração e Economia da Universidade Positivo (UP).
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