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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O Brasil é um país de migrantes. No imaginário coletivo, essa expressão relaciona-se às grandes migrações de antigamente, vinculadas à capacidade produtiva e à assimilação dos recém-chegados. Mais recentemente, dos anos 70 aos 90, em outra conjuntura econômica e política, a entrada e permanência de migrantes no Brasil passa a relacionar-se à proteção das fronteiras. Nesse período a imigração diminuiu e a emigração (ou seja, a saída do país) aumentou. É nesse contexto que surgiu o Estatuto do Estrangeiro, lei atualmente vigente e que a Lei de Migração visa substituir.

Nos últimos dez anos, o Brasil volta a ser sinônimo de destino para uma vida próspera para os que migram buscando estabilidade econômica, para os que sofrem as consequências de guerras e de catástrofes e também para muitos brasileiros que aqui voltaram a se estabelecer. Os fluxos migratórios recentes, dos que chegam e dos que voltam, têm colocado à prova a antiquada legislação, embasada na defesa da segurança nacional e, consequentemente, avessa aos princípios pluralistas e democráticos trazidos pela Constituição de 1988 e pelos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.

Os fluxos migratórios recentes, dos que chegam e dos que voltam, têm colocado à prova a antiquada legislação

Medidas administrativas têm sido adotadas, em caráter excepcional, para suprir demandas em órgãos públicos federais, estaduais e municipais que observam um súbito aumento de prestação de serviços aos migrantes, refugiados e brasileiros que regressam ao país. Com isso, soma-se ao corpo legislativo já defasado incontáveis resoluções e medidas administrativas destinadas ao migrante e ao refugiado. Por falta de diretrizes integradas e concretas, tais medidas são sobrecarregadas de formalismo e extremamente dependentes de discricionariedade do agente público que as executa. Discricionariedade esta que é gerada tanto pelos termos vagos do Estatuto do Estrangeiro como pelo descompasso entre o que está normatizado e a realidade contemporânea.

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Um dos maiores paradoxos da resposta brasileira aos grandes fluxos migratórios recentes é a coexistência de parte da legislação e medidas administrativas embasadas em uma concepção plural de acolhimento e inserção social do migrante de um lado e, do outro lado, a vigência do arcabouço legislativo e administrativo que acompanha o Estatuto do Estrangeiro e a cultura institucional dos órgãos públicos que o têm implementado nos últimos 40 anos.

O equilíbrio entre motivações humanitárias atuais que orientam o crescente acolhimento de migrantes e refugiados no Brasil, a ambiguidade institucional e a ausência de legislação e de políticas públicas consistentes têm produzido efeitos que acentuam vulnerabilidades e dificultam o acesso a direitos e, portanto, à vida com dignidade.

A Lei de Migração, aprovada recentemente pelo Congresso Nacional e que segue para sanção presidencial, tem como um de seus principais méritos regular a migração ao Brasil em sintonia com a mobilidade humana no século 21. É um documento legislativo – portanto, estável – que prevê diretrizes para agentes públicos e harmoniza garantias materiais e processuais para migrantes, refugiados e brasileiros regressados em seus processos de entrada e permanência no Brasil, assim como apresenta de forma direta e atual seus direitos e deveres.

Melissa Martins Casagrande é professora de Direito na Universidade Positivo (UP) e pós-doutoranda na UFPR.
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