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“Desde a fundação do moderno Estado libanês, os cristãos têm sido a maior denominação religiosa. No entanto, seu número tem diminuído constantemente”.
“Desde a fundação do moderno Estado libanês, os cristãos têm sido a maior denominação religiosa. No entanto, seu número tem diminuído constantemente”.| Foto: Charbel Karam/Unsplash

Devido às tensões sociais, econômicas, políticas e religiosas na região, os cristãos no Líbano se encontram em uma situação difícil. A ascensão do fundamentalismo islâmico, as condições de pobreza e as divisões sociais ameaçam novamente, e já se fala até em guerra civil. O Líbano voltou a ser destaque no noticiário mundial depois que o líder do grupo paramilitar Hezbollah acusou as forças do exército libanês, composto por um grande número de cristãos, de atirar em vários membros do Hezbollah durante confrontos ocorridos na segunda semana de outubro.

Sayyed Hassan Nasrallah, que comanda o Hezbollah, organização paramilitar islâmica xiita listada pelo Departamento de Estado dos EUA como um grupo terrorista, disse que o partido cristão libanês e seu líder, o maronita Samir Geagea, estavam tentando iniciar um novo conflito com os islamitas. A tensão recrudesceu e, com isso, as perspectivas para a minoria protestante no país não são das melhores. Os confrontos entre as forças do exército e o Hezbollah ocorreram perto do tribunal de Beirute, onde cidadãos libaneses protestaram por negligência judicial e obstruções à investigação da explosão ocorrida em agosto de 2020 em um porto de Beirute, e que deixou uma série de feridas abertas.

Mais de 200 pessoas morreram na explosão do ano passado e cerca de 6,5 mil ficaram feridas quando toneladas de fertilizante de nitrato de amônio altamente explosivo que havia sido armazenado por anos no porto de Beirute pegaram fogo, em 4 de agosto de 2020. A explosão destruiu vários bairros da capital e até agora nenhum funcionário do governo, que é responsável pela administração do porto, foi considerado culpado pelo Judiciário.

Em 3 de agosto deste ano, um relatório da Human Rights Watch indicava que as autoridades governamentais haviam cometido atos de “negligência criminosa”, uma vez que os funcionários libaneses do porto “sabiam do risco que representava o nitrato de amônio armazenado” e “não o levaram sem medidas para proteger a população”. O comportamento negligente por parte dos administradores portuários pode constituir uma “violação do direito à vida”. Segundo a lei libanesa, tais atitudes podem equivaler a assassinato voluntário.

A explosão e as possíveis consequências criminais agravaram as tensões políticas e religiosas existentes no Líbano, um país que tem um equilíbrio político frágil entre cristãos e muçulmanos xiitas e sunitas. Depois da guerra civil libanesa, o Acordo de Taif fixou um equilíbrio multiétnico e religioso que reordenou o número de participantes no parlamento e fixou uma paridade completa entre cristãos e muçulmanos na legislatura.

O Líbano é, possivelmente, o país do Oriente Médio com a maior diversidade religiosa e onde os cristãos desfrutam das maiores liberdades. Segundo dados da CIA, o número de cristãos (entre católicos maronitas, melquitas, armênios, caldeus, ortodoxos, ortodoxos armênios, protestantes e fiéis da Igreja Assíria do Oriente) chega a 40% da população. No entanto, as tensões entre os vários grupos religiosos, existentes desde antes da guerra civil libanesa e que se agravaram após os confrontos políticos e a explosão de 2020, ameaçam desencadear uma nova onda de tensões e, possivelmente, uma guerra civil.

A última guerra civil no Líbano, encerrada em 1990, deixou 120 mil mortos e estima-se que mais de 50 mil pessoas ainda estejam deslocadas. O cenário de uma nova guerra civil pode ser, como nos anos 80, um conflito em que identidades religiosas são usadas como pretextos para conquistar vitórias políticas e militares e em que os cristãos, sobretudo correntes minoritárias como o protestantismo, podem ser perseguidos e ter poucas rotas de ação.

As tensões políticas já haviam se intensificado desde 2019, quando centenas de milhares de libaneses saíram às ruas para protestar contra a corrupção política e a crise econômica. Hoje, com a crise agravada pela pandemia e com facções políticas se acusando mutuamente pela explosão no porto de Beirute, as perspectivas de uma guerra civil são muito mais certas do que no passado. Em meio a esse cenário, os cristãos encontram-se em uma posição fragilizada, pois são cada vez mais uma minoria devido à migração e à crescente ascensão do Islã em um país que já foi exemplo para o mundo por seu caráter secular e multiétnico.

O cristianismo no Líbano tem uma história longa e contínua. A Bíblia indica que Paulo e Pedro evangelizaram os fenícios na área, e que uma igreja forte e vibrante foi rapidamente estabelecida ali sob o patriarcado de Antioquia. A difusão do cristianismo no Líbano foi especialmente lenta nas regiões onde persistiram os credos pagãos. Um estudo de 2015 mostrou que apenas cerca de 2,5 mil cristãos no país tinham ascendência muçulmana e que a maioria dos cristãos libaneses descendia diretamente dos primeiros cristãos. Proporcionalmente, o Líbano tem o maior índice de cristãos do mundo árabe, já que o número de cristãos do país oscila entre 36% e 40%.

O Líbano é, possivelmente, o país do Oriente Médio com a maior diversidade religiosa e onde os cristãos desfrutam das maiores liberdades. Segundo dados da CIA, o número de cristãos (entre católicos maronitas, melquitas, armênios, caldeus, ortodoxos, ortodoxos armênios, protestantes e fiéis da Igreja Assíria do Oriente) chega a 40% da população. No entanto, as tensões entre os vários grupos religiosos, existentes desde antes da guerra civil libanesa e que se agravaram após os confrontos políticos e a explosão de 2020, ameaçam desencadear uma nova onda de tensões e, possivelmente, uma guerra civil.

Desde a fundação do moderno Estado libanês, os cristãos têm sido a maior denominação religiosa. No entanto, seu número tem diminuído constantemente, de 65% da população em 1932 para não mais que 40% em 2018. O declínio no número de cristãos foi acompanhado por um crescimento constante do Islã, que era a religião professada por 35% da população em 1932, número que hoje está perto de 60%. Os muçulmanos no Líbano são divididos igualmente entre sunitas e xiitas, cada grupo respondendo por cerca de 30% da população total. Já entre os cristãos, 52% deles se confessam maronitas, 20% como gregos ortodoxos (sob a autoridade do patriarca Bartolomeu de Constantinopla), 12% são melquitas, 10% são armênios ortodoxos, 2,5% protestantes e os 2,5% restantes pertencem a outras denominações cristãs minoritárias.

A maioria dos cristãos protestantes reside principalmente na capital, Beirute, e constitui menos de 1% da população. Os protestantes são formados por várias denominações, incluindo presbiterianos, congregacionais, carismáticos e pentecostais. Alguns membros da sociedade civil percebem sua influência como “desproporcionalmente alta entre a classe média profissional”.

A situação no Líbano é consequência de um conjunto de crises agudas que se desenvolveram ao longo do tempo: deslocamento forçado, corrupção, crise econômica, pandemia, terrorismo islâmico e as consequências da explosão de 2020. No ano passado, a inflação crescente levou a um aumento generalizado dos preços dos alimentos, enquanto a insegurança alimentar se espalhou e os meios de subsistência das famílias diminuíram. A pobreza entre os libaneses aumentou 52%, chegando a 83% entre os refugiados sírios. Esta situação é especialmente preocupante para crianças e jovens, muitos dos quais tiveram de abandonar a escola para ajudar os pais nas tarefas domésticas e obter algum sustento em empregos informais.

O Líbano ainda acolhe a maior proporção de refugiados do mundo em comparação com o número de cidadãos locais. Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, o Líbano é o lar de refugiados da Palestina. Além da crise de deslocamento do território palestino, o Líbano hoje abriga pelo menos 1 milhão de refugiados sírios. Refugiados palestinos têm acesso muito limitado ao mercado de trabalho e frequentemente estão presos em empregos de baixa qualificação, enquanto refugiados sírios não têm campos de refugiados formais das Nações Unidas e também enfrentam políticas altamente restritivas da ONU.

A perseguição nas comunidades cristãs continua uma realidade. O futuro do protestantismo no país continua a ser questionado hoje mais do que nunca. Em todos os países da região, os cristãos representam uma pequena minoria e os protestantes são um grupo ainda menor e mais dividido. Entre as preocupações das igrejas protestantes está a migração, especialmente porque os jovens protestantes estão migrando em grande número. No entanto, apesar das relações cordiais com os muçulmanos comuns, a igreja hoje enfrenta um de seus momentos mais difíceis no Líbano. De acordo com a Voz dos Mártires, vários grupos extremistas islâmicos, incluindo o Hezbollah no sul e em outras regiões predominantemente xiitas, perseguem ativamente os cristãos. Células terroristas filiadas ao Estado Islâmico, à Al-Qaeda e a outros grupos sunitas patrulham ativamente a fronteira com a Síria.

Os cristãos, especialmente os convertidos do Islã, também enfrentam perseguição de tribos e suas famílias. Enquanto as áreas urbanas têm forte influência cristã e ocidental, nas áreas rurais, onde existe uma maioria islâmica, os cristãos enfrentam ameaças e oposição significativas. Aqueles que nasceram em famílias cristãs podem praticar abertamente sua fé, mas isso não significa que vivam ali livres de perseguições, visto que em muitas ocasiões lhes é negada a aquisição de terras e outras propriedades, ou seus impostos são aumentados. As formas mais severas de perseguição ocorrem quando os crentes compartilham sua fé e quando os muçulmanos se convertem.

Embora a guerra civil seja uma ameaça incerta, realidades gritantes como o crescimento do fundamentalismo islâmico, a pobreza, as crises políticas e sociais, bem como a própria migração, colocam em risco a existência de comunidades cristãs naquelas terras que antes eram sujeitas à pregação e que viram a construção de algumas das primeiras igrejas da história.

Lawrence Maximo, professor, escritor e analista político, é bacharel em História e Teologia, mestrando em Ciências Políticas: Cooperação Internacional, mestre em Missiologia, e pós-graduado em Ciência Política: Cidadania e Governação e em Antropologia da Religião.

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